CORAÇÃO AD GENTES NA IGREJA DA CIDADE. Para um rosto missionário das paróquias num mundo em mudança

Julho 25, 2008

 Estamos, sem dúvida, num mundo em profunda mudança. Na cidade hodierna cruzam-se pessoas de diferentes cores, culturas, línguas e credos. A busca de melhores condições de vida tão depressa traz para a cidade pessoas de outros países e de diferentes situações sociais, culturais e religiosas, como faz partir muitos dos seus anteriores habitantes. Dado o crescente pluralismo cultural e religioso, já não são os campanários das igrejas que marcam o ritmo da vida das pessoas da cidade. O Evangelho de Jesus Cristo é cada vez menos conhecido. E mesmo para aqueles que o conhecem, já perdeu muito do seu significado.

Este cenário é preocupante e pede, com urgência, à Igreja presente na cidade dos homens uma nova cultura de evangelização, que vá muito para além de uma simples pastoral de manutenção. Deve notar-se que o termo euaggélion não é um mero nomen status, mas um nomen actionis: não pode ser traduzido por «evangelho» nem pode confundir-se com um livro colocado na estante; na verdade, significa «evangelização». E evangelização implica movimento e comunicação, e requer tempo, formação, entranhas e coração.

As páginas que se seguem traçam as principais etapas da evangelização, detendo-se na terceira, por ser aquela em que estamos hoje. Olhando atentamente o nosso mundo e analisando a documentação da Igreja, teremos ainda presentes os desafios que o Papa Bento XVI lançou recentemente à Igreja em Portugal (Discurso ao Bispos portugueses, Visita ad Limina, Novembro de 2007), e retiraremos, no final, algumas inevitáveis conclusões. Leia o resto deste artigo »


Portugal, vive a missão, rasga horizontes

Julho 24, 2008

 

1. Missão procedente de Deus, missão aberta ao mundo, missão endereçada ao coração de cada ser humano, missão a correr de porta em porta, de mão em mão, missão a transvazar de coração a coração. A missão é de todos, a todos envolve e implica. João Paulo II disse-o assim: «A missão compete a todos os cristãos, a todas as dioceses e paróquias, instituições e associações eclesiais»[1]. E o Documento Diálogo e Missão expressou-se deste modo: «A missionariedade é, para cada cristão, expressão normal da sua fé»[2]. Outra vez João Paulo II: «Quem verdadeiramente encontrou Cristo, não pode guardá-l’O para si; tem de O anunciar»[3]. E Bento XVI disse-o recentemente assim: «A Igreja é missionária no seu conjunto e em cada um dos seus membros»[4].

 

2. Consciente desta realidade, Paulo VI traçou bem e fundo o perfil evangelizador da Igreja: «Evangelizar constitui, de facto, a graça e a vocação própria da Igreja, a sua identidade mais profunda. A Igreja existe para Evangelizar»[5]. E numa recente Nota Pastoral, a Conferência Episcopal Italiana deixou escrito com eloquente beleza e precisão: «A Evangelização é o fundamento de tudo e deve ter o primado sobre tudo; nada a pode substituir e nenhuma outra tarefa se pode antepor-lhe»[6].

 

3. Se «Deus é amor» (1 Jo 4,8 e 16), e se nos ama com amor perfeito (1 Ts 1,4)[7], enviando-nos, por isso, o seu Filho (1 Jo 4,10), que é «o primeiro e o maior evangelizador»[8], e se é o amor que faz passar da morte para a vida (1 Jo 3,14), então «a Evangelização é uma questão de amor»[9] inadiável e não delegável[10], e a Igreja portuguesa, em todas as suas instâncias, parcelas e pessoas, não pode deixar de se envolver e implicar nos horizontes da missão ad gentes, que é sempre o verdadeiro paradigma da Evangelização em qualquer latitude[11]. Na verdade, «A missão ad gentes não é apenas o ponto de conclusivo do empenhamento pastoral, mas o seu horizonte permanente e o seu paradigma por excelência»[12]. «Quanto mais a paróquia for capaz de redefinir a sua tarefa missionária no seu território, tanto mais saberá projectar-se no horizonte do mundo, sem delegar apenas em alguns a responsabilidade da evangelização dos povos. Não poucas experiências têm sido felizmente levadas a cabo nestes anos: intercâmbio de pessoal apostólico, viagens de cooperação entre as Igrejas, ajuda em projectos de solidariedade e desenvolvimento, geminações de esperança nas difíceis fronteiras da paz, projectos educativos de novos estilos de vida, denúncia do dramático abuso a que são submetidas as crianças. Mais do que um empenhamento ulterior, a missão ad gentes é um enriquecimento para a pastoral, uma ajuda às comunidades em ordem à conversão de objectivos, métodos, organização, e em responder com confiança ao mal-estar que muitas vezes se experimenta»[13].

 

4. De quanto fica dito, e no contexto do Ano do Congresso Missionário Nacional, que realizámos entre os dias 03-07 de Setembro, resulta claro que é preciso saber ler e reconhecer o imenso e belo labor que, com denodo, humildade e grande dedicação, por vezes até ao sangue, os Institutos Missionários portugueses têm sabido levar a cabo no inteiro orbe: quantas redes de amor, quantas mãos unidas, quantos corações reacendidos, quantas vidas ressurgidas! Não podemos deixar de nos alegrar com «o “livro da missão” que os missionários continuam a escrever e que tem muito a ensinar também às nossas paróquias»[14].

 

5. Mas é preciso também, no mesmo contexto, lembrar, estimular e saudar, com grande estima e carinho, os fiéis leigos que, com imensa generosidade e evangélico desprendimento, têm sabido e querido doar pedaços da sua vida à causa da Evangelização, ajudando a escrever uma página exemplar, testemunhando o Evangelho e edificando no mundo a paz em nome de Cristo[15].

 

6. Mas impõe-se ainda que, sob a orientação dos nossos Bispos, a quem o Papa Bento XVI, na sua mensagem para o Dia Missionário Mundial (19 de Outubro de 2008), recorda que o seu «compromisso consiste em tornar missionária toda a comunidade diocesana»[16], saibamos, a partir deste Ano do Congresso Missionário Nacional, fazer surgir na Igreja portuguesa Centros missionários diocesanos e paroquiais que, em consonância com os Centros de animação missionária dos Institutos Missionários, possam fazer com que a missionariedade ganhe corpo em todos os âmbitos da pastoral e da vida cristã[17].

 

7. E, porque atravessamos também o Ano Paulino, não podemos deixar de evocar e invocar, e, se possível, imitar, essa figura ímpar do «maior missionário de todos os tempos»[18], que se dedicou ao Evangelho a tempo inteiro e de corpo inteiro, adscrevendo muitas vezes ao seu nome os títulos de «servo» e «apóstolo». De tal modo que bem podemos dizer, com Lorenzo de Lorenzi, que «a sua vida privada era… a apostólica»[19]. Dedicação total, gerando comunidades (1 Cor 4,14-15; Flm 10), dando-as à luz (Gl 4,19), acalentando-as e exortando-as, como uma mãe ou um pai (1 Ts 2,2-12), e rodeando-se de uma vasta rede de muitos e bons e bem formados cooperadores.

 

8. A última palavra vai para Maria, Mãe de Deus e nossa Mãe, Estrela da Evangelização e da Esperança, que maternalmente nos acolhe, nos protege e nos guia. Nós te saudamos, Maria, e te pedimos que nos ensines a amar os nossos irmãos como tu amas os teus filhos queridos. Abençoa, Mãe, os nossos propósitos neste Ano de Congresso Missionário Nacional. Vela por nós, e dá-nos um coração verdadeiramente missionário.

 

D. António Couto


[1] JOÃO PAULO II, Carta Apostólica Redemptoris Missio (RM), de 7 de Dezembro de 1990, n.º 2.

[2] SECRETARIADO PARA OS NÃO-CRISTÃOS, Documento Diálogo e Missão (DM), de 10 de Junho de 1984, n.º 10.

[3] JOÃO PAULO II, Carta Apostólica Novo Millenio Ineunte (NMI), de 6 de Janeiro de 2001, n.º 40.

[4] BENTO XVI, Mensagem para o 45.º dia Mundial de Oração pelas Vocações, 13 de Abril de 2008, n.º 8.

[5] PAULO VI, Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi (EN), de 8 de Dezembro de 1975, n.º 14.

[6] CONFERÊNCIA EPISCOPAL ITALIANA, Questa è la Nostra Fede. Nota pastorale sul primo annuncio del Vangelo (QNF), de 15 de Maio de 2005, n.º 2.

[7] Em 1 Ts 1,4, Paulo dirige-se com afecto ao cristãos de Tessalónica, usando a expressão «irmãos amados por Deus», em que «amados» (êgapêménoi) se apresenta no particípio perfeito passivo do verbo agapáô, traduzindo assim um amor novo, vindo de Deus, que começou a amar e a amar continua ainda hoje, pois é esse o sentido do perfeito grego.

[8] PAULO VI, Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi (EN), de 8 de Dezembro de 1975, n.º 7; CONFERÊNCIA EPISCOPAL ITALIANA, Comunicare il Vangelo in un mondo che cambia. Orientamenti pastorali dell’Episcopato Italiano per il primo decennio del 2000, n.º 33, de 29 de Junho de 2001.

[9] CONFERÊNCIA EPISCOPAL ITALIANA, Nota Pastoral «Rigenerati per una speranza viva» (1 Pe 1,3): testimoni del grande «Sì» di Dio all’uomo, de 29 de Junho de 2007, n.º 9.

[10] JOÃO PAULO II, Carta Apostólica Novo Millenio Ineunte (NMI), de 6 de Janeiro de 2001, n.º 40.

[11] CONFERÊNCIA EPISCOPAL ITALIANA, Nota Pastoral «Rigenerati per una speranza viva» (1 Pe 1,3): testimoni del grande «Sì» di Dio all’uomo, de 29 de Junho de 2007, n.º 9.

[12] CONFERÊNCIA EPISCOPAL ITALIANA, Comunicare il Vangelo in un mondo che cambia. Orientamenti pastorali dell’Episcopato Italiano per il primo decennio del 2000, n.º 32, de 29 de Junho de 2001; CONFERÊNCIA EPISCOPAL ITALIANA, Nota Pastoral Il volto missionario delle parrocchie in un mondo che cambia, n.º 1, de 30 de Maio de 2004.

[13] CONFERÊNCIA EPISCOPAL ITALIANA, Nota Pastoral Il volto missionario delle parrocchie in un mondo che cambia, n.º 6, de 30 de Maio de 2004.

[14] CONFERÊNCIA EPISCOPAL ITALIANA, Nota Pastoral Il volto missionario delle parrocchie in un mondo che cambia, n.º 6, de 30 de Maio de 2004.

[15] CONFERÊNCIA EPISCOPAL ITALIANA, Nota Pastoral «Rigenerati per una speranza viva» (1 Pe 1,3): testimoni del grande «Sì» di Dio all’uomo, de 29 de Junho de 2007, n.º 9.

[16] BENTO XVI, Servos e Apóstolos de Jesus Cristo (Mensagem para o Dia Missionário Mundial 2008), de 11 de Maio de 2008, n.º 4.

[17] Estas propostas encontram-se também na Nota Pastoral da CONFERÊNCIA EPISCOPAL ITALIANA, «Rigenerati per una speranza viva» (1 Pe 1,3): testimoni del grande «Sì» di Dio all’uomo, de 29 de Junho de 2007, n.º 9.

[18] O Papa Bento XVI consagra esta expressão na sua Mensagem para a XVI Jornada de Oração pelas Vocações 2008, n.º 3, publicada em 3 de Dezembro de 2007.

[19] L. DE LORENZI, La vida spiritual de Pablo, in G. BARBAGLIO (ed.), Espiritualidad del Nuevo Testamento, Salamanca, Sígueme, 1994, p. 92.