TEMPO DE VERIFICAÇÃO: EU ACREDITO!

Julho 30, 2009

 

Publico hoje uma carta de uma jovem mãe de três filhos e catequista, de seu nome Maria Pia Fontes, de origem espanhola, mas há muito a residir em Portugal, que narra a bela aventura que foi percorrer os caminhos transitivos e intransitivos de S. Paulo, com outros catequistas e muitos jovens formandos, que se foram deslumbrando com o Apóstolo e aprendendo com alegria e paixão a dizer e a viver de outra maneira a sua fé. A carta, chegada por e-mail, vem seguida de uma série de fotografias, que aqui não incluo para não tornar a página demasiado pesada. Dou-lhe aqui o devido relevo, porque penso que é este o caminho de levar a juventude a enamorar-se por Cristo. Porque penso que este tipo de experiências pode ser muito enriquecedor para outras escolas de pedagogia da fé, e para alguém que queira entrar em contacto com ela, deixo aqui, pedindo-lhe desculpa, o endereço electrónico da Dr.ª Maria Pia Fontes: piafontes@gmail.com. Quem preferir, também pode responder para este site, no sítio habitualmente destinado a comentários.

António Couto

 «Caro Dom António,

Acabada de chegar dos “campos de descoberta” da paróquia, não podia deixar de agradecer tudo aquilo que recebi.

Depois de “rezar as suas aulas”, a equipa de cooperadores embarcou, com mais uns 150 jovens (dos 12 aos 18 anos), numa aventura cheia de peripécias, num inter-rail especial e espiritual por Tessalónica, Roma, Filipos, Corinto, Galácia. Encontrámos também o amigo Filémon… O objectivo era “não dissecar São Paulo em tranquilas ideias teológicas, seguramente redutoras, mas acompanhá-lo pelos caminhos poeirentos da sua vida”.

Não imagina o espanto que foi nascendo naqueles jovens à medida que iam construindo o seu dicionário com Deus, encontrando uma nova gramática para narrar a sua vida de cristãos! Pela mão de São Paulo encontraram novos significados para palavras que utilizavam, e lhes eram de todo indiferentes, como fé, graça, misericórdia, liberdade, esperança, o caminho que ultrapassa todos… Todos os dias o amigo Paulo enviava uma carta endereçada a cada um deles com o seu nome…

Aprenderam a ler e a ouvir a Cruz, e isso foi uma grande reviravolta para muitos… Aprenderam a ser filhos. Aqui vai um pequeno excerto da oração preparada por eles:

 “Ser filho é reconhecer que a vida é um presente enorme e que não podemos guardá-la para nós. Há muitos egoísmos por vencer, muitos livros que enchemos de reclamações a rasgar, para que possamos aprender a ser filhos. Aprender a ser filho é passar da reclamação à entrega, do acumular ao dar-se. Num mundo que vive a crise do excesso, do desejo de acumular, é um enorme desafio aprender a gratuidade, é um enorme desafio ser mãe, ser pai e ensinar a ser filho.

Jesus ouviu a voz do Pai. Experimentou o Seu amor gratuito. Reconheceu que a vida é um enorme presente e não a guardou para Ele. Deu-a até ao fim, soberanamente, para todos e para sempre.

É assim que nos salva. Por isso, para nós, cristãos, a Cruz é também uma festa, uma oportunidade de regresso a casa. Por isso, tanto balão, um por cada animado e animador que está neste campo. Por isso também o “Cristo do Sorriso!”.

Dom António, por tudo aquilo que me ajudou a descobrir, MUITO OBRIGADA!»

mpiafontes


«ONDE COMPRAREMOS PÃO…»

Julho 25, 2009

1. Configuração do texto

«6,1Depois disto, partiu (apêlthen: aor2 de apérchomai) JESUS para anuevo12 outra margem do mar (péran tês thalássês) da Galileia ou de Tiberíades. 2Seguia-o (êkoloúthei: impf. de akolouthéô) agora uma MULTIDÃO GRANDE (óchlos polýs), porque VIAM (etheôroun: impf. de theôréô) os sinais (tà sêmeîa) que fazia (epoíei: impf. de poiéô) nos doentes. 3Partiu então JESUS para a montanha, e lá se sentava (ekáthêto: impf. de káthêmai) com os seus DISCÍPULOS.

                                  4Estava próxima a Páscoa, a festa dos JUDEUS.

 5Levantando então JESUS os olhos, e VENDO (theasámenos: part. aor. de theáomai) que uma MULTIDÃO GRANDE vem para ele, diz a FILIPE:

               “ONDE (póthen) COMPRAREMOS (agorázô) pão para que eles comam?”

 6Isto, porém, dizia, para o pôr à prova, pois, na verdade, ELE sabia o que ia fazer.

7Respondeu-lhe FILIPE: “Duzentos denários de pão não são suficientes para que cada um deles receba (lambánô) um bocadinho”.

8Diz-lhe um dos seus DISCÍPULOS, ANDRÉ, o irmão de Simão Pedro: 9“Está aqui um RAPAZITO (paidárion) que tem cinco pães de cevada e dois peixinhos (opsária); mas o que é isto para tanta gente?”

10Disse JESUS:

               “Fazei as PESSOAS (ánthrôpoi) reclinar-se (anapíptô)”.

 Havia MUITA ERVA (chórtos) naquele lugar. Reclinaram-se então os HOMENS (ándres) em número de cerca de cinco mil. 11RECEBEU (élaben: aor2 de lambánô) então JESUS os pães, e, TENDO DADO GRAÇAS (eucharistêsas: part. aor. de eucharistéô), DISTRIBUIU (diédôken: aor. de diadídômi) aos que estavam reclinados, e o mesmo fez com os peixinhos, tanto quanto queriam.

12E quando foram saciados (eneplêsthêsan: aor. pass. de empímplêmi), diz aos seus DISCÍPULOS:

 “Recolhei (synágô) os pedaços que sobraram (perisseúô), para que não se perca nenhum”.

 13Recolheram então e encheram doze cestos de pedaços dos cinco pães de cevada que sobraram (perisseúô) dos que tinham comido.

14Então as PESSOAS (ánthrôpoi), VENDO (idóntes: part. aor2 de horáô) o sinal (sêmeîon) que ele tinha feito, diziam: “Este é verdadeiramente o profeta, o-que-vem-ao-mundo (ho erchómenos: part. pres. de érchomai) eîs tòn kósmon”.

15Então JESUS, sabendo que estavam para vir buscá-lo para o fazer rei, retirou-se novamente, só (mónos), para a montanha» (Jo 6,1-15).

 2. Tempo de leitura

Como dissemos no último Comentário a Marcos 6,30-34, durante os próximos cinco Domingos (desde o Domingo XVII ao Domingo XXI) proclama-se no Evangelho (sempre proclamado; nunca lido) da liturgia dominical o grande texto de João 6. Marcos só será retomado no Domingo XXII, em 30 de Agosto. Para efeitos práticos e para uma melhor articulação e compreensão, aperesentamos aqui uma leitura do inteiro texto de João 6, que iremos saboreando ao longo destes cinco Domingos. O texto de João 6 pode dividir-se em seis Partes: a primeira Parte, que funciona como Introdução ou preparação do cenário, engloba os vv. 1-4 e apresenta as personagens (Jesus, uma grande multidão, os discípulos), o lugar (na «outra margem do mar da Galileia», na «montanha») e o tempo («estava próxima a Páscoa dos judeus»); a segunda Parte, que se estende pelos vv. 5-15, abre com uma pergunta pedagógica de Jesus dirigida a Filipe («Filipe, onde compraremos pão para que eles comam?»), não correctamente respondida por Filipe e André, mas resolvida por Jesus; a terceira Parte, que compreende os vv. 16-21, mostra-nos os discípulos a atravessar, no escuro, o mar encapelado, e Jesus vindo ao seu encontro caminhando sobre o mar; a quarta Parte, entre os vv. 16-22, apresenta-nos um novo começo, no dia seguinte, mostrando-nos a multidão que nota a ausência de Jesus e parte à sua procura para Cafarnaum; a quinta Parte, que compreende a longa extensão de texto entre os vv. 25-59, traz para a cena a importante discussão, travada entre Jesus e a multidão ou os judeus, sobre o pão vindo do céu; a sexta Parte, que contempla os últimos versículos (vv. 60-71), estende a discussão aos discípulos, mostrando a deserção de muitos (vv. 60-66), em contraponto com a confissão de fé de Pedro (vv. 67-71)[1].

 Dois Capítulos à frente de Jo 4, em Jo 6[2], diz-nos o narrador que Jesus subiu à montanha, que se sentou lá com os seus discípulos, e que uma grande multidão acorria a Jesus (Jo 6,3 e 5). É nessas circunstâncias que Jesus retoma o tema do alimento. Descendo agora ao nível dos discípulos, Jesus diz a Filipe: «Onde (póthen) compraremos (agorázô) pão para que eles comam?» (Jo 6,5). De facto, o verbo «comprar» é corrente nos lábios dos discípulos, mas é estranho na boca de Jesus. No cenário anterior, de Jesus e da Samaritana, os discípulos passam quase o tempo todo a comprar, enquanto Jesus fala de dar e dá-se mesmo.

Na chamada «primeira multiplicação dos pães», que podemos ler nos Evangelhos de Mateus e de Marcos, Jesus recusa mesmo a solução de «comprar» (agorázô), avançada pelos discípulos, e propõe a de «dar» (dídômi) (Mt 14,15-16; Mc 6,36-37)[3]. Por que será, então, que Jesus fala agora de «comprar», ainda para mais conjugando o verbo na 1.ª pessoa do plural, Ele incluído: «Onde compraremos»? Mas a questão não é apenas sobre comprar. É sobre «Onde comprar». Face à lógica da misericórdia, da condivisão e da partilha proposta por Jesus, já os discípulos, cépticos, se tinham perguntado: «‘De onde’ (póthen) poderá alguém saciar estas pessoas de pães num lugar deserto?» (Mc 8,4). Esse «Onde» (póthen) já tinha sido ouvido em Jo 1,48, quando Natanael pergunta a JESUS «‘De onde’ (póthen) me conheces?» Será também ouvido em Jo 2,9, em que o narrador nos informa que o chefe-de-mesa «não sabia ‘de onde’ (póthen) era» a água feita vinho. Da mesma forma, Nicodemos também não sabe, acerca do Espírito, «‘de onde’ (póthen) vem nem para onde vai» (Jo 3,8). Tal como a mulher samaritana não sabe ‘de onde’ (póthen) Jesus tira a água viva (Jo 4,11). E as autoridades de Jerusalém confirmam que, «quando vier o Cristo, ninguém saberá ‘de onde’ (póthen) Ele é» (Jo 7,27). E, mais à frente, em polémica com os fariseus, Jesus afirma: «Eu sei ‘de onde’ (póthen) venho; vós, porém, não sabeis ‘de onde’ (póthen) venho» (Jo 8,14). E na cena da cura do cego de nascença, os fariseus acabam por afirmar acerca de Jesus: «Esse não sabemos ‘de onde’ (póthen) é» (Jo 9,29), ao que o cego curado responde, apontando a cegueira deles: «Isso é espantoso: vós não sabeis ‘de onde’ (póthen) Ele é; e, no entanto, Ele abriu-me os olhos!» (Jo 9,30). Na narrativa do IV Evangelho, tudo isto conflui para a questão posta por Pilatos: «‘De onde’ (póthen) és TU?» (Jo 19,9)[4]. E, no Evangelho de Lucas,  Isabel também exclama: «‘De onde’ (póthen) a mim isto: “Que venha a mãe do meu Senhor ter comigo?”» (Lc 1,43). E, no Evangelho de Marcos, como no de Mateus, os conterrâneos de JESUS, apontando as Suas humildes e bem conhecidas raízes geográficas e familiares[5] que, na mentalidade antiga, determinam a identidade e a capacidade da pessoa[6], exclamam acerca d’ELE: «‘De onde’ (póthen) a ESTE estas coisas, e que sabedoria é esta a ESTE dada, e os prodígios que pelas mãos d’ELE vêm?» (Mc 6,2; cf. Mt 13,54.56). Leia o resto deste artigo »


JESUS, BOM PASTOR, E O PÃO!

Julho 18, 2009

 

1. Eis o texto do Evangelho deste Domingo XVI do Tempo Comum, que ajesus_leading_flock_sheep_md_wht Igreja Una Santa proclama, escuta e ama: «6,30E reúnem-se os Apóstolos junto de JESUS e contam-LHE todas as coisas que tinham feito e ensinado. 31ELE diz-lhes: “Vinde vós, à parte, para um lugar deserto, e descansai um pouco”. Eram, na verdade, muitos os que vinham e partiam, e nem sequer para comer tinham tempo. 32E partiram numa BARCA para um lugar deserto, à parte. 33Viram-nos, porém, partir, e sabendo, muitos, a pé, de todas as cidades, correram e chegaram antes deles. 34E tendo saído da BARCA, viu uma grande multidão e SENTIU COMPAIXÃO (esplagchnístê) deles, porque eram como ovelhas sem pastor» (cf. Is 53,6). E COMEÇOU A ENSINAR-lhes (êrxato didáskein) muitas coisas» (Marcos 6,30-34).

 2. Algumas notas: A) vê-se bem que Jesus é a Pessoa que reúne os Apóstolos (única menção explícita, pelo nome, não pelo verbo, em Marcos). É Jesus que os chama, que os escolhe, que os reúne, que os envia; é para Ele que voltam, é a Ele que prestam contas. B) Completamente agrafados a Jesus, é dito que ensinaram, o verbo de Jesus. De facto, o verbo «ensinar» é usado em Marcos 15 vezes para Jesus – Ele é o Mestre –, e só aqui, esta única vez, para os Apóstolos. C) É Ele que os leva para o lugar do repouso, à parte, vincando mais uma vez mais o «a sós com Jesus». D) Em todo o Evangelho, a Barca é o lugar em que só entram Jesus e os Apóstolos! E quando falta lá Jesus, há problemas. Desde Tertuliano, que a Barca simboliza a Igreja. E) A corrida desigual da Barca nas águas e das multidões na terra resulta na vitória da multidão. Jesus é procurado por todos. Ele é a chave da vida de todos. F) Ao ver o que vê, Jesus sente compaixão, que é amor entranhado, maternal, e reúne também, com amor, estas ovelhas dispersas. G) Se o texto continuasse na chamada primeira «multiplicação» dos pães em mundo judaico (Marcos 6,35-44), viria a toda a luz o contraponto entre o comportamento de Jesus e o dos seus Apóstolos/Discípulos. Deixamos aqui um diagrama exemplar:

Jesus Discípulos
Misericórdia                                            Acolher                                                   Ensinar                                                           Dar                                                        Condividir Insensibilidade                                  Excluir                                                Mandar embora                                   Comprar                                                 Cada um para si

 3. Há uma nota muito significativa no final do texto, que refere que Jesus «começou a ensinar». Nota importante. Na verdade, este dizer é usado três vezes no texto de Marcos em lugares claramente estratégicos: 1) em Marcos 4,1, quando Jesus começou a ensinar a SEMENTE; 2) aqui, em Marcos 6,34, quando Jesus se prepara para ensinar o PÃO; 3) em Marcos 8,31, quando após a confissão de Pedro, certa nas palavras, errada nos conteúdos e nos raciocínios feitos, Jesus começou a ensinar a PAIXÃO. Para bom entendedor, está aqui a verdadeira história de Jesus: a SEMENTE cai na terra e MORRE; se não morrer, não dará fruto: é a PAIXÃO. Mas se morrer, dará muito fruto: é o PÃO da VIDA, a EUCARISTIA… O IV Evangelho opera uma extraordinária operação de contracção para mostrar no processo da semente o pão e a paixão, que o mesmo é dizer, o próprio JESUS: «Se o grão de trigo, tendo caído na terra, não morrer, fica só; mas se morrer, dá muito fruto» (João 12,24).

 4. Ficou uma última nota por desvendar. E é que, em Marcos 6,30, ouviu-seEucaristia05 o nome JESUS. Significativamente, só voltará a ser ouvido (no texto original, que as modernas traduções não respeitam!) em Marcos 8,27, exactamente 89 versículos depois! Neste imenso intervalo, entre Marcos 6,31 e 8,26 – 89 versículos! (mais de 13 % do texto de Marcos que conta 677 versículos) – em que desaparece o nome JESUS, emergirá no relato o nome PÃO por 22 vezes! Por isso, esta secção (Marcos 6,30-8,27) é conhecida por «secção dos pães». Compreenda-se bem. O narrador esconde o nome JESUS para levar o leitor a descobri-lo no nome PÃO! Mostrar é uma boa acção pedagógica. Mas esconder é ainda uma acção mais eficaz. Verifiquem o comportamento das crianças! Extraordinária pedagogia eucarística de Marcos. Aí fica o diagrama:

         JESUS              PÃO              JESUS
          6,30           6,31-8,26                8,27
         89 versículos!  

 5. Infelizmente, o ouvinte de Domingo não vai poder verificar estes elementos, dado que, nos próximos cinco Domingos vai ser proclamado João 6, o chamado «Discurso do Pão da Vida», outro enorme texto, que seguramente muito nos ensinará e mais ainda nos surpreenderá. Quando voltarmos a ouvir Marcos, estaremos no XXII Domingo, dia 30 de Agosto!

 António Couto


A LIÇÃO DA POMBA

Julho 18, 2009

 

1. «Por que é que, perguntam os rabinos, a Escritura compara Israel a umapombabranca_042008 pomba?» A esta pergunta, um dos mestres responde com esta parábola: “Quando Deus criou a pomba, ela voltou para junto do seu criador, e lamentou-se: – Senhor do universo, há um gato que corre sempre atrás de mim e me quer matar, e eu tenho de correr o dia inteiro com estas patas tão curtas. Então Deus teve piedade da pobre pomba, e pôs-lhe duas asas. Mas, pouco depois, a pomba foi outra vez, a chorar, ter com o seu criador: – Senhor do universo, o gato continua a correr atrás de mim, e se já antes tinha tanta dificuldade em fugir dele com estas patas tão pequenas e frágeis, agora, com estas asas tão pesadas em cima, ainda é pior. Então Deus sorriu e disse: – Mas eu não te pus essas asas, para que tu as carregues, mas para que elas te carreguem a ti. O mesmo vale para Israel, conclui o mestre. Quando Israel se lamenta dos mandamentos, Deus responde: – Não vos dei os mandamentos para que vós os transporteis como um peso, mas para que eles vos transportem a vós”».

 2. O mito fundador da modernidade, e o único «relato» que, na queda dos relatos, ainda persiste, é a liberdade. Segundo este «relato», o homem não é apenas um «eu» que, esquecido de que foi gerado (a sua mãe), se autogera (o cogito cartesiano), mas é sobretudo um «eu» que naturalmente e racionalmente caminha para a própria realização, seja ao nível da natureza, da história, do ser ou da vida eterna. Esta concepção de liberdade vê o homem em expansão, único senhor de si, recusando e condenando peremptoriamente a obediência do homem a Deus, por não ser conciliável com a autonomia do homem. A essência da modernidade, como a tematizou Immanuel Kant na sua «Resposta à pergunta: “O que é o iluminismo?”», está no «Ousa saber» (sapere aude, de horaciana memória), que implica a coragem de sair do «estado de menoridade», cortando todas as ligações com o que é exterior ao «eu» (mito, tradição, religião), e afirmando a razão humana como independente de qualquer vínculo exterior. A essência da modernidade é a instituição da autonomia como única chave de leitura do humano, a que acresce a afirmação de que qualquer forma de heteronomia é alienação. Está bom de ver que Deus, e os mandamentos de Deus, não têm, nesta concepção, qualquer lugar.

 3. Ao contrário, na Bíblia, o mandamento de Deus, porque vem de fora da minha espontaneidade e a interrompe, é o único que pode instaurar verdadeiramente a minha liberdade: não como espontaneidade nem como fim, mas como decisão e responsabilidade. Na verdade, fora do mandamento, a liberdade humana seria apenas espontaneidade, em que o «eu», entre a multiplicidade de escolhas que se lhe oferecem, escolheria sempre a que mais o satisfaz. Mas uma liberdade em que a escolha é escolha do valor mais satisfatório, ou, na interpretação agostiniana, uma «delectatio victrix», «sedução vitoriosa», mais do que afirmação da liberdade, é dela uma «elegante supressão» (Armido Rizzi).

 4. Contestando a racionalidade como horizonte último, a Bíblia institui um novo humano em que o ultimal não é a palavra lógica, mas a palavra dialógica, não é a ideia, mas a relação, não é o conceito, mas o rosto. Numa palavra, não o logos, que tem a ver com o mundo como objecto e o «sistematiza», mas o dia-logos, palavra partida, em que o dizer do «eu», interrompido pelo dizer do outro, fica para sempre subtraído à tentação do fechamento, da perfeição e da totalidade.

 5. É conhecida a subtileza da explicação rabínica dos midrashîm acerca de Gn 4,8, em que Caim diz para o seu irmão Abel: «Saiamos para o campo». E depois, estando no campo, Caim atirou-se sobre Abel e matou-o. Três rabinos interrogam-se sobre aquilo que, depois de saírem para o campo, terão dito um ao outro Caim e Abel. Avança o primeiro: «Começaram os dois a discutir. Caim disse: “A terra em que te encontras é minha”. E Abel retorquiu: “A pele do carneiro com que andas vestido é minha”. E, naquele momento, Caim atirou-se sobre Abel e matou-o». Disse o segundo: «Os dois puseram-se a discutir. Caim disse: “Esta mulher é minha”. E Abel retorquiu: “Não, é minha”. E, naquele momento, Caim lançou-se sobre Abel e matou-o». Chegou a vez do terceiro: «Os dois puseram-se a discutir. Caim disse: “Este templo é meu”. E Abel retorquiu: “Não, é meu”. E, naquele momento, Caim matou Abel». Como se vê, é a vontade de posse, a transformação em «meu» daquilo que não pode ser «meu», porque pode somente ser visto como um dom, que faz nascer a violência. Negação do dom, caminho da posse e da violência. É assim que ficamos sós, completamente sós, senhores absolutos do campo (Gn 4,8) ou da planura (Gn 11,2),/ mas nada sabemos construir em altura. Veja-se a família, a política, a escola, o tribunal, o hospital, a igreja. Tudo tão plano e chato,/ com casas, mas sem casa,/ com mesas, mas sem mesa,/ com fardas, mas sem vestido,/ sem hábito,/ nus por dentro. Pautas enlatadas, marchas militares ou fúnebres. Só o Rosto ou o mandamento verdadeiro, vindo de fora e acolhido à porta com amor, surpresa e maravilha, dom, evento, advento, pode romper e fecundar este areal espesso como o gesso. Falo do alento de Deus, beijo de Deus, no pó que somos (Gn 2,7). Só ele pode transformar estas pedras em filhos e irmãos.

 6. As asas são para voar. Não podem pesar.

 António Couto


MISSÃO ESSENCIAL

Julho 12, 2009

 

1. Lê-se exemplamente no Evangelho de Marcos: «13E ELE sobe para a montanha e chama para SI aqueles que ELE queria, e andaram para ELE. 14E ELE fez Doze, para que estivessem com ELE, e para ELE os enviar a pregar 15e ter autoridade para expulsar os demónios» (Marcos 3,13-15).

 2. O centro é claramente Jesus. É Ele que chama quem quer. É para Ele queev2007_07 se dirigem os que são chamados. É Ele que os FAZ (verbo da criação, só usado neste contexto, aqui, em todos os Evangelhos). O seu serviço é PRIMEIRO, PRIMEIRO, PRIMEIRO, estar com Jesus, e só depois serem por Ele enviados numa missão frágil-forte de mostrar sem demonstrar, testemunhar com a vida (é essa a metodologia da pregação, verbo kêrýssô) e limpar ódios e raivas e ciúmes e invejas e mentiras e violências (os demónios de ontem e de sempre) e estabelecer o amor e a paz e a alegria e a concórdia e a verdade.

 3. Hoje, a Igreja Una e Santa proclama e escuta o Evangelho de Marcos 6,6b-13, cujo início soa assim: «7E chamou os doze, e começou a enviá-los dois a dois, e dava-lhes autoridade sobre os espíritos impuros. 8E ordenou-lhes que não levassem para o caminho senão um bastão: nem pão, nem alforge, nem dinheiro na cintura; 9que fossem  calçados com sandálias, e não levassem duas túnicas…».

 4. Salta à vista que este episódio significativo da missão confiada aos Doze (Marcos 6,6b-13) segue o primeiro episódio que transcrevemos (Marcos 3,13-15). Mas é ainda notório que o episódio de hoje se situa, situação não casual, entre o desprezo de Jesus na sua pátria (Marcos 6,1-6) e o martírio de João Baptista (Marcos 6,14-21). Fica claro que, no Evangelho de Marcos, a missão se desenrola entre o desprezo e o martírio.

 5. Mas é ainda claro que a missão dos Doze parte sempre de Jesus, e não deles ou de nós: foi Ele que os começou a enviar. E o facto de os enviar dois a dois é ainda sinal claro de que ninguém vai em nome próprio com uma mensagem própria (na Evangelização não há lugar para franco-atiradores), mas como testemunhas de uma mensagem que receberam de Jesus (Deuteronómio 19,15; João 8,17). «Dois a dois» permite ainda identificar a presença de um terceiro, que é mesmo o fundamental: «Onde estiverem dois ou três reunidos em meu Nome, Eu estarei no meio deles» (Mateus 18,20). Com Jesus no meio: passo fundamental. Mateus 10,10 manda retirar também as sandálias (só Mateus): é outra forma de dizer que o missionário vai sempre acompanhado do Deus santo. Ver a atitude de Moisés e de Josué no Sinai e na Terra Prometida (Êxodo 3,5; Josué 5,15). A intensidade do Evangelho, a santidade, a de Deus e a nossa, «a “medida alta” da vida cristã ordinária» (João Paulo II).

6. É santo o caminho do Evangelho. Sacudir o pó dos pés, ao sair das localidades não acolhedoras (Marcos 6,11), reclama a remoção do pó profano e impuro num caminho santo.

 7. Salta ainda à vista que estes missionários nada devem levar, excepto a mensagem que lhes é confiada. «Nem pão, nem alforge, nem dinheiro, nem duas túnicas» (Marcos 6,8-9). Vão acompanhados e guiados pela providência de Deus que é o seu sustento, conforme a lição de Jesus e do Servo (Isaías 42,1); mas ver também Elias, que bebe da torrente e é alimentado pelos corvos (1 Reis 17,4-6), e o Rei messiânico que, a caminho, bebe da torrente (Salmo 110,7).

8. Mas é ainda de notar que esta primeira missão apareça fora de tempo e lugar: na verdade, não é dito para onde Jesus tenha enviado estes missionários, nem onde e por quanto tempo tenham pregado. Tão-pouco somos informados da reacção dos seus ouvintes, nem da forma como foram recebidos. Parece tudo propositadamente esfumado. Clara e luminosa, ao contrário, é a relação dos Doze com Jesus: é Ele que os escolhe e chama para estarem sempre com Ele (Marcos 3,13-14); é Ele que os envia e lhes dá autoridade (Marcos 6,7), e é a Ele que retornam para lhe relatar o que fizeram (Marcos 6,30: próximo domingo). João Baptista (Marcos 1,2-4) e Jesus (Marcos 9,37) foram enviados por Deus. Os Doze são enviados por Jesus. Modo claro de o Evangelho mostrar que Jesus assume o lugar de Deus, Ele é Deus. Nós somos sempre apenas enviados. Mas não estamos sós. Nem perdidos. Mas amados.

 António Couto


O DIVINO QUE SE PODE VER DO HUMANO!

Julho 5, 2009

 

1. Um Deus humano, muito humano, entra hoje em nossa casa, ao lermos o episódio de Marcos 6,1-6. Visto bem de perto, é um Deus também como nós. Com rosto, coração, mãos de terra e de amor. Deus humanado. Deus humanado, e, todavia, Deus, fazendo maravilhas entre nós, debruçando-se com amor infinito sobre os doentes, os pobres, os pequeninos, os marginalizados. Fazendo a nossa terra produzir novos e insuspeitados frutos. É esta a áurea que rodeia Jesus, quando agora reentra em Nazaré ouBOBHEU~1 em nossa casa.

 2. Mas nós, como eles, queremos sempre ver um Deus espectacular, que faça mirabolâncias incríveis, que nos vençam e convençam. É quase sempre esta concepção (falsa) que fazemos de Deus. Mas é verdade que, para incarnar, Deus teve necessidade de uma mãe autenticamente mãe. Não mudou a condição humana de Maria. Ela permaneceu como era, uma mulher da província, numa casa pobre, numa vida modesta. E Deus deixou estar as coisas como estavam. Não transfigurou nada daquilo em que tocava. Não modificou as leis da natureza. E Maria foi aprendendo a ver o muito de divino que se pode ver no humano: Deus no olhar de uma criança, no seu sorriso puro, num rapaz sentado à mesa ou a brincar. Aprender a escutar a voz de Deus na voz dos homens, por mais desgraçada que ela seja. Maria inaugurou a verdadeira contemplação cristã.

 3. Os seus conterrâneos têm acerca dele um conhecimento anagráfico muito superior ao do leitor. O leitor apenas sabe que Jesus provém de Nazaré, pois foi disso oportunamente informado (Marcos 1,9). Os conterrâneos de Jesus sabem muito mais. Sabem a sua profissão (carpinteiro) e conhecem a sua família (mãe, irmãos, irmãs) e a sua residência (Marcos 6,3). Mas não sabem «DE ONDE» (póthen) vem a sua competência. Os prodígios que faz e as coisas maravilhosas que diz não podem provir daquela carne humilde. A terra impede-nos de ver o céu. Razão tinham os mestres da sabedoria judaica, quando deixaram escrito, no tratado Sukkôt [= Tendas] da Mishna, que as Tendas levantadas no campo ou nos terraços das casas nunca deviam ter um tecto tão espesso, que não deixasse ver o céu! É fundamental podermos ver sempre o céu, e que o céu nos possa sempre ver a nós!

 4. Na verdade, na mentalidade antiga e na nossa mentalidade moderna envelhecida, são as raízes geográficas e familiares que determinam a identidade e a capacidade de alguém. Pois bem, é apontando as humildes e bem conhecidas raízes geográficas e familiares de Jesus, que os seus conterrâneos exclamam acerca dele: «‘DE ONDE’ (póthen) a ESTE estas coisas, e que sabedoria é esta a ESTE dada, e os prodígios que pelas mãos d’ELE vêm?» (Marcos 6,2). Como quem diz: «Não pode ser!». Em nome da terra, negamos o céu. Como se o céu fosse dedutível da terra!

 5. Mas fica lá aquele «DE ONDE» (póthen), que atravessa os Evangelhos, e que aponta sempre para Deus. Aventuremo-nos um pouco nesta travessia: Em pleno deserto, os discípulos de Jesus, cépticos, perguntam: «‘DE ONDE’ (póthen) poderá alguém saciar estas pessoas de pães num lugar deserto?» (Marcos 8,4). Mas Jesus, que bem sabe o que vai fazer (João 6,6), pergunta a Filipe, como se de um teste se tratasse: «‘ONDE’ (póthen) compraremos pão para que eles comam?» (João 6,5). A questão não é apenas sobre comprar. É sobre «ONDE comprar». Esse «ONDE» (póthen) indica a origem divina, e já tinha sido ouvido em João 1,48, quando Natanael pergunta a Jesus: «‘DE ONDE’ (póthen) me conheces?» Será também ouvido em João 2,9, em que o narrador nos informa que o chefe-de-mesa «não sabia ‘DE ONDE’ (póthen) era» a água feita vinho. Da mesma forma, Nicodemos também não sabe, acerca do Espírito, «‘DE ONDE’ (póthen) vem nem para onde vai» (João 3,8). Tal como a mulher samaritana não sabe ‘DE ONDE’ (póthen) Jesus tira a água viva (João 4,11). E as autoridade de Jerusalém confirmam que, «quando vier o Cristo, ninguém saberá ‘DE ONDE’ (póthen) Ele é» (João 7,27). E, mais à frente, em polémica com os fariseus, Jesus afirma: «Eu sei ‘DE ONDE’ (póthen) venho; vós, porém, não sabeis ‘DE ONDE’ (póthen) venho» (João 8,14). E na cena da cura do cego de nascença, os fariseus acabam por afirmar acerca de Jesus: «Esse não sabemos ‘DE ONDE’ (póthen) é» (João 9,29), ao que o cego curado responde, apontando a cegueira deles: «Isso é espantoso: vós não sabeis ‘DE ONDE’ (póthen) Ele é; e, no entanto, Ele abriu-me os olhos!» (João 9,30). Na narrativa do IV Evangelho, tudo isto conflui para a questão posta por Pilatos: «‘DE ONDE’ (póthen) és TU?» (João 19,9). E, no Evangelho de Lucas, Isabel também exclama: «‘DE ONDE’ (póthen) a mim isto: “Que venha a mãe do meu Senhor ter comigo?”» (Lucas 1,43).

 6. Esta interrogação retórica sistematicamente repetida (DE ONDE?) deve ir abrindo os olhos do leitor. Os conterrâneos de Jesus podem não saber «DE ONDE» a ESTE estas coisas…», mas o leitor do Evangelho hoje, que é o conterrâneo e contemporâneo de Jesus hoje, tem obrigação de o saber, dadas as inúmeras indicações da Escritura e as fissuras da ramagem que cobre as nossas tendas.

 António Couto


OS NOSSOS MUROS E OS NOSSOS MEDOS

Julho 1, 2009

 

1. O muro de Berlim, que separava a Europa de leste da Europa ocidental,GSOCAB1Q2AOCAYJZGIZCAJOZ3CFCAI4M7RFCA7ZKA4RCAA2AK27CADYFBJDCAP9YRK5CAI6DX3DCAZY3K59CAGT0V4UCAFZOO3HCAQ4XJKECAUSBZIQCAF7QOWNCAPM2SZKCAFYWKHDCA9K1Q9J caiu, como é sabido, em finais do século XX. Mas já um novo muro se ergue, neste dealbar do século XXI, para separar Israel dos territórios palestinianos. O muro de Berlim foi construído pelos de leste essencialmente para impedir que de leste alguém fugisse para ocidente. O muro que agora se ergue é obra de Israel, e é para impedir que os palestinianos entrem livremente em Israel. O objectivo é prevenir ataques suicidas e outros.

 2. Mas é bom aprendermos a pensar que estes muros não são só coisas dos outros. Se olharmos atentamente à nossa volta, veremos também os muros que nós mesmos cada vez mais vamos levantando junto das nossas casas na tentativa de barrar o caminho àqueles que consideramos vagabundos e ladrões. E, bem vistas as coisas, não levantamos apenas muros físicos, mas também muros culturais, raciais, ideológicos, religiosos e outros.

 3. A história não se repete nem os seus acontecimentos são simétricos. É, todavia, significativo que, se recuarmos até aos séculos XX e XXI antes de Cristo – o prato da balança que faz pendant com os nossos séculos XX e XXI depois de Cristo –, deparamos aí também com a mania dos muros e dos medos. O grande Egipto civilizado, país do sol e dos deuses, temia então os asiáticos SHASHU [= aqueles que caminham sobre a areia], que deambulavam pelos territórios a oriente do Delta do Nilo (Península do Sinai, Síria-Palestina…), e que os egípcios consideravam como bárbaros. Para impedir que esses bárbaros entrassem no Egipto, o Faraó Amen-em hat I (1991-1962 a. C.) concluiu, junto do istmo de Suez, um sistema de fortificações, que ficou conhecido por «Muros do Príncipe», e que parece que tinha sido iniciado já por Kheti II, no final da X dinastia, por volta de 2100.

 4. Do mesmo modo, na outra extremidade do Crescente Fértil, também os soberanos da Mesopotâmia se mostravam temerosos em relação às hordas do deserto ocidental, que ameaçavam entrar na Mesopotâmia. A sua proveniência do deserto sírio ocidental, fazia com que fossem designados por MAR.TU (sumério) ou Amurru (acádico), que significa «ocidentais». Para tentar impedir a sua entrada na Mesopotâmia, o imperador Shû-Sîn ( 2037-2029), o penúltimo da III dinastia de Ur ( 2112-2004), levou a efeito a construção de um muro de 275 km entre o Eufrates e o Tigre, ligeiramente a noroeste da actual Bagdad.

 5. Quer num caso quer no outro, os muros nada puderam contra os «bárbaros», que acabaram mesmo por entrar no Egipto e na Mesopotâmia. Com o tempo, todos os muros caem. Os muros que construímos significam o nosso medo de perder. Bem vistas as coisas, o medo é que é o muro. E quem tem medo acaba sempre por perder. Começa mesmo já a perder.

 6. Uma sociedade assente em elevados parâmetros de sucesso, poder e lucro, promove com certeza uma pequena elite, mas segrega uma multidão de inaptos e marginalizados, «bárbaros». Os muros que levantamos separam, pensamos nós, a elite da multidão, os civilizados dos incivilizados, os ricos dos pobres, os sãos dos doentes… A pequena elite só tem a perder e tem medo; a multidão não tem nada a perder e não tem medo.

 7. A solução não está nos muros dos nossos medos. A solução está em aprender «a tornarmo-nos capazes de amar e de ser amados, a alegrarmo-nos com a existência dos outros, até ao ponto de amar até aqueles que não nos amam». Tudo somado, «o homem não é prisioneiro nem da natureza nem do fatalismo: o homem é livre». E, no âmbito do viver humano, «se Cristo é um modelo, que nós queiramos imitá-lo não é destituído de sentido, mesmo para aqueles que, como eu, não são crentes».

 8. O que acabo de transcrever entre aspas é um extracto de uma entrevista concedida a Le Figaro Magazine, de 6.ª feira, 17 de Maio de 2002, pelo então ministro francês da Juventude e da Educação, o filósofo Luc Ferry. É notável que este jovem filósofo e ministro, declaradamente não crente, face a uma sociedade cada vez mais egoísta, coisista, consumista e hedonista, se atreva a pôr Cristo e a sua maneira de viver como modelo para a Juventude e norma para a Educação! Se aprendermos a viver como Cristo, livres e abertos aos outros, a todos os outros, haverá ainda lugar para o medo? E para que servirão então os muros? Não tenhas medo, meu irmão de Julho.

 António Couto