1. Depois da chamada «secção do caminho» (Marcos 8,27-10,52), em que Jesus segue com os seus discípulos da Galileia para Jerusalém, Marcos 11 dá início à secção que narra os «últimos dias de Jesus em Jerusalém».
2. No primeiro desses dias, são narrados dois episódios: A) a entrada messiânica de Jesus em Jerusalém (Marcos 11,1-10), rei pobre, pacífico e humilde, montado num jumento, conotado com a paz, e não em cavalos de guerra; B) e, de forma telegráfica, num único versículo, a sua entrada no Templo, para ver todas as coisas, em silêncio, e a ida, à tardinha, para Betânia (Marcos 11,11).
3. No segundo dia, outros dois episódios são narrados: A) no caminho de regresso de Betânia para Jerusalém, Jesus procura estranhamente figos numa figueira em que só encontra folhas (de resto, informa o narrador que não era tempo de figos!), e diz uma palavra de maldição sobre a figueira (e os seus discípulos ouviram, informa o narrador) (Marcos 11,12-14); B) entrando no Templo, que tinha examinado na véspera, Jesus purifica-o de comerciantes, de banqueiros e de coisas, e ensina um culto novo sem coisas, assente na total orientação da vida para Deus por parte de todos os povos. Para o efeito, Jesus cita Isaías 56,7: «A minha casa será chamada casa de oração para todos os povos» (só Marcos cita as palavras finais: «para todos os povos»), e Jeremias 7,11: «Fizestes dela um covil de ladrões!». Diz-nos o narrador que estas palavras foram ouvidas pelos chefes dos sacerdotes e pelos escribas, que cogitavam matá-lo, mas temiam o povo, que estava maravilhado com Jesus. À tardinha, voltou a sair da cidade (Marcos 11,15-19).
4. O início do terceiro dia fica marcado pelas reacções às duas acções simbólicas de Jesus no dia anterior: A) passando pela manhã, os discípulos vêem que a figueira tinha secado, e fazem ver isso a Jesus, que lhes responde: «Tende fé em Deus!», requerendo deles uma relação pessoal e íntima com Deus, «vosso Pai» (Marcos 11,20-26). A expressão «fé em Deus» encontra-se só aqui em todo o Novo Testamento. B) A cena seguinte passa-se outra vez no Templo e narra a reacção dos chefes dos sacerdotes, dos escribas e dos anciãos ao gesto de purificação do culto operado por Jesus no dia anterior, querendo saber com que autoridade Jesus fez o que fez (Marcos 11,27-33). Mas este episódio já está fora do texto aqui em análise.
5. Lições a reter: 1) os discípulos seguem o Mestre, vendo e escutando tudo; 2) aprendem a viver uma relação nova e íntima com Deus, nosso Pai, que enche a «sua casa», não com comerciantes, banqueiros, coisas e ladrões, mas com filhos e irmãos; 3) o fruto que Jesus procura e que devemos cultivar em todas as estações é a «fé em Deus»; 4) a figueira em que Jesus procura figos fora do tempo dos figos, e que só tinha folhas [2 vezes no v. 13], alerta-nos para o fruto da fé que é de todas as estações; 5) para se entender este gesto simbólico de Jesus, é importante ler com atenção Miqueias 7,1-2: «Ai de mim! Tornei-me como os que rebuscam os campos depois da ceifa e da vindima, e não encontro um cacho para comer, nem um figo temporão que tanto aprecio! Na verdade, desapareceram da terra os homens fiéis, e não há um único justo entre as pessoas!»; 6) aos olhos de Jesus, a figueira e o Templo só apresentam folhas!; 7) vendo e escutando tudo, os discípulos de Jesus devem compreender bem que todo o tempo é de fé em Deus e de frutos novos!
António Couto