1. É preciso vir atrás, ao Domingo XIII do Tempo Comum, que celebrámos no dia 27 de Junho, para assistirmos ao início do caminho de Jesus da Galileia para Jerusalém. Foi nesse Domingo proclamado o Evangelho de Lucas 9,51-62. Aí começava também o caminho longo e intenso da formação de Jesus aos seus discípulos de todos os tempos.
2. Estamos agora, quatro meses depois, no Domingo XXXI do Tempo Comum, dia 31 de Outubro, e Jesus atravessa a cidade de Jericó, antes de entrar na última etapa do seu percurso, 27 km de uma longa subida que o levará a Jerusalém. Jericó é um belo e aprazível oásis que se estende por cinco quilómetros, situado a cerca de 300 metros abaixo do nível do mar. Jerusalém situa-se a cerca de 800 metros acima do nível do mar. O caminho de Jesus – e dos seus discípulos com ele – torna-se agora, portanto, uma intensa subida física e espiritual.
3. A assinalar esta passagem de Jesus por Jericó, aí está mais um encontro decisivo, instrutivo e salvador de Jesus (Lucas 19,1-10), «que veio PROCURAR e SALVAR o que estava perdido», como Jesus diz de si mesmo no final da narrativa (Lucas 19,10). O início da narrativa apresenta-se um homem, de nome Zaqueu, que era rico e chefe de publicanos, e que PROCURAVA VER (ezêtei ideîn) QUEM É (tís estin) Jesus.
4. Cruzam-se o início e o final da narrativa, cruzando estas duas PROCURAS: Jesus PROCURA salvar o que está perdido; Zaqueu PROCURA ver quem é Jesus. Note-se bem que a narrativa não diz que Zaqueu PROCURAVA ver Jesus, o que equivaleria a ver o seu rosto, o seu aspecto, a roupa que vestia… Diz, antes, que Zaqueu PROCURAVA ver quem era Jesus. Entenda-se, portanto, que o que Zaqueu PROCURAVA ver não era o rosto, o aspecto, o exterior de Jesus, mas a sua identidade, a sua intimidade, o seu modo de ser.
5. Diz ainda o nosso belo texto que Zaqueu não conseguia ver quem era Jesus por causa da multidão, por ser de pequena estatura. Numa primeira vaga de leitura, fica-se com a impressão de que Zaqueu era um homem baixo e que, por esse motivo, atolado no meio da multidão, não conseguia realizar o seu objectivo de ver quem era Jesus. Numa segunda vaga de leitura, percebemos melhor por que razão Zaqueu não podia ver quem era Jesus por causa da multidão. É que, sendo ele chefe de publicanos, então era um traidor à sua pátria judaica, colaboracionista com os ocupantes romanos, cobrando impostos aos seus irmãos de raça e levando-os aos romanos. Traidor, colaboracionista, explorador e ladrão, Zaqueu era o odiado Zaqueu. Salta à vista que não podia estar no meio da multidão, que, se o descobrisse, o cobriria de insultos, cuspidelas, pontapés…
6. É esta a razão que o faz correr adiante (onde não estava a multidão), e subir a um sicómoro, para, daí, escondido na densa copa do sicómoro, poder ver e não ser visto, ficando, portanto, a coberto da multidão.
7. Mas também fica claro que, de dentro da copa do sicómoro, Zaqueu conseguiria certamente ver Jesus, mas não QUEM ERA Jesus. Para ver quem é Jesus, a sua identidade e intimidade, é preciso um encontro com Jesus. É aqui que entra o outro PROCURADOR, que é Jesus. Levanta os olhos, vê Zaqueu escondido na copa do sicómoro, e diz-lhe de imediato: «Zaqueu, desce depressa: HOJE na tua casa é preciso que eu fique!» (Lucas 19,5).
8. Zaqueu desceu depressa e recebeu Jesus com ALEGRIA. Zaqueu começa aqui a ver quem é Jesus: não o insulta, não o exclui, não o empurra. Chama-o, acolhe-o, inclui-o! Em contraponto, a multidão viu e reprovou, dizendo: «Foi hospedar-se em casa de um pecador» (Lucas 19,7). Mas em casa, tu a tu, Zaqueu pode continuar a ver quem é Jesus, e vai virar do avesso a sua vida toda, DANDO, DANDO, DANDO. Aos pobres e àqueles (muitos) a quem roubou. E Jesus pode dizer com verdade: «HOJE veio a salvação a esta casa!» (Lucas 19,9).
9. Conclusão sempre nova: Zaqueu não dá aos pobres para ser salvo, mas porque foi salvo!
António Couto