1. Oito dias depois da Solenidade do Natal do Senhor, que a liturgia oriental designa significativamente por «a Páscoa do Natal», eis-nos no Primeiro Dia do Ano Civil de 2011, tradicionalmente designado como Dia de «Ano Bom», a celebrar a Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus.
2. A figura que enche este Dia, e que motiva a nossa Alegria, é, portanto, a figura de Maria, na sua fisionomia mais alta, a de Mãe de Deus, como foi solenemente proclamada no Concílio de Éfeso, em 431, mas já assim luminosamente desenhada nas páginas do Novo Testamento.
3. É assim que a encontramos no Leccionário de hoje. Desde logo naquela menção sóbria, e ousamos dizer pobre, com que Paulo se refere à Mãe de Jesus, escrevendo aos Gálatas: «Deus mandou o seu Filho, nascido de mulher, nascido sujeito à Lei» (Gálatas 4,4). Nesta linha breve e densa aparece compendiado o mistério da Incarnação, ao mesmo tempo que se sente já pulsar o coração da Mariologia: Maria não é grande em si mesma; é, na verdade, uma «mulher», verdadeiramente nossa irmã na condição de humana criatura. Não é grande em si mesma, mas é grande por ser a Mãe do Filho de Deus, e é aqui que ela nos ultrapassa, imaculada por graça, bem-aventurada, nossa mãe na fé e na esperança. Maria não é grande em si mesma; vem-lhe de Deus essa grandeza.
4. O Evangelho deste Dia de Maria guarda também uma preciosidade, quando Lucas nos diz que «todos os que tinham escutado as coisas faladas pelos pastores ficaram maravilhados, mas Maria GUARDAVA (synetêrei) todas estas Palavras que aconteceram (tà rhêmata), COMPONDO-as (symbállousa) no seu coração» (Lucas 2,18-19). Em contraponto com o espanto de todos os que ouviram as palavras dos pastores, Lucas pinta um quadro mariano de extraordinária beleza: «Maria, ao contrário, GUARDAVA todas estas Palavras que aconteceram, COMPONDO-as no seu coração». Há o espanto e a maravilha que se exprimem no louvor e no canto, e há o espanto e a maravilha que se exprimem no silêncio e na escuta. Maria, a Senhora deste Dia, aparece a GUARDAR todas estas Palavras que acontecem, todos estes acontecimentos que falam e não esquecem. O verbo GUARDAR implica atenção premurosa, como quem leva nas suas mãos uma coisa preciosa. Este GUARDAR atencioso e carinhoso não é um acto de um momento, mas a atitude de uma vida, uma vez que o verbo grego está no imperfeito, que implica duração. O outro verbo belo mostra-nos Maria como que a COMPOR, isto é, a «pôr em conjunto», a organizar, para melhor entender. É como quem com aquelas Palavras COMPÕE um Poema, uma Sinfonia, e se entretém a vida toda a trautear essa Melodia e a conjugar novos acordes de Alegria.
5. Esta solicitude maternal de Maria, habitada por esta imensa melodia que nos vem de Deus, levou o Papa Paulo VI, a associar, desde 1968, à Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus, a celebração do Dia Mundial da Paz. Hoje é já o 44.º Dia Mundial da Paz que se celebra, e o Papa Bento XVI apôs-lhe o tema «Liberdade religiosa, caminho para a Paz». Na sua Mensagem para este Dia, Bento XVI põe diante dos nossos olhos os cenários de perseguição violenta movida às comunidades cristãs do Médio Oriente, sobretudo no Iraque, de que salienta o vil ataque perpetrado em 31 de Outubro contra a Catedral siro-católica de «Nossa Senhora do Perpétuo Socorro» em Bagdad, que resultou na morte de dois sacerdotes e de mais de cinquenta fiéis. Dito isto, Bento XVI lembra também outras formas mais silenciosas e sofisticadas de preconceito e oposição contra os cristãos, os seus símbolos religiosos, os seus princípios morais e ideário sócio-cultural, como vamos verificando cada vez mais neste nosso espaço português e europeu. Tudo isto atenta, diz o Papa, contra a dignidade da pessoa humana, e cria obstáculos ao estabelecimento de uma verdadeira cultura de Paz, de Fraternidade e de Felicidade entre os Homens. E atenta sobretudo contra a Grandeza, a Beleza, o Mistério e o Sentido da Vida Humana, que há quem queira ver reduzida apenas a três dimensões, a saber, comprimento, largura e altura, que são as medidas do cadáver e do cemitério! Bento XVI lembra também que passam neste ano de 2011 vinte e cinco anos sobre o “Dia Mundial de Oração pela Paz” realizado em Assis em 27 de Outubro de 1986, e em que estiveram presentes os principais Chefes das Religiões Mundiais, respondendo a uma iniciativa profética do Papa João Paulo II.
6. De Deus vem sempre um mundo novo, belo, maravilhoso. Tão novo, belo e maravilhoso, que nos cega, a nós que vamos arrastando os olhos cansados pela lama. Que o nosso Deus faça chegar até nós tempo e modo para ouvir outra vez a extraordinária bênção sacerdotal, que o Livro dos Números guarda na sua forma tripartida: «O Senhor te abençoe e te guarde./ O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e te seja favorável./ O Senhor dirija para ti o seu olhar e te conceda a paz» (Nm 6,24-26).
7. Que seja, e pode ser, Deus o quer, e nós também podemos querer, um Ano Bom, cheio de Paz, Pão e Amor, para todos os irmãos que Deus nos deu! E que Santa Maria, Mãe de Deus e nossa Mãe, nos abençoe também. Ámen!
António Couto