1. Domingo XXIX do Tempo Comum. O justo, meu Servo, diz Deus, justificará muitos, diz Deus. Profeta «profetizado»: eis a verdade do profeta-servo. Não fala, mas é falado: fala Deus dele (Isaías 52,13-15; 53,11-12); falamos nós dele (53,1-10). Nós, batendo no peito, reconhecendo que as suas chagas não são o seu castigo merecido, mas a cura para a nossa malvadez. De facto, vendo bem aquelas chagas, temos mesmo de reconhecer que foi a nossa violência e malvadez que as produziu. Diagnosticada a doença, podemos lançar mão do remédio. Deus apresenta-o como aquele que, entregando a sua vida à nossa violência, atravessa a nossa violência, não combatendo-a com mais violência, o que só aumentaria o caudal da violência, mas sofrendo-a, abraçando-a e dissolvendo-a por amor: é assim que nos justifica, isto é, nos transforma de pecadores em justos: milagre do perdão e da recriação do nosso Deus.
2. Faz-nos bem a seguir cantar demoradamente com o Salmo 33(32): «Desça sobre nós a vossa misericórdia», e contemplar com encanto e emoção o rosto do novo sumo-sacerdote, Jesus, Filho de Deus, posto por escrito diante dos nossos olhos no trono da Cruz (Gálatas 3,1), para o vermos bem e para nos vermos bem: outra vez um rosto desfigurado pela nossa violência e malvadez, e a ternura daquele olhar de graça, que nos redime e salva. É a extraordinária lição de Hebreus 4,14-16.
3. E voltamos ao CAMINHO com Marcos 10,35-45. É a vez de Tiago e João, que vão no CAMINHO desde o princípio, agora que o CAMINHO se aproxima do seu termo, se aproximarem de Jesus com um estranho pedido. Vão de pé no CAMINHO, mas querem SENTAR-SE em lugares de destaque. O narrador diz-nos que os outros Dez ficaram indignados. Entenda-se: não tanto pelo pedido em si, mas porque também pensavam a mesma coisa, e se viram antecipados.
4. Jesus chama-os todos para si, para lhes dizer ao coração que há os CHEFES deste mundo que mandam e tiranizam e tiram a vida, e há os SERVOS que servem e dão a vida por amor, isto é, justificam.
5. E aí está Jesus a apresentar-se de novo como verdadeiro Mestre pró-activo, que sabe o CAMINHO, ensina o CAMINHO e faz o CAMINHO: veio para SERVIR e DAR A VIDA por amor.
6. Mas tudo ficará mais claro, quando, no próximo Domingo (XXX) se vir bem o confronto produzido pelo episódio do Cego de Jericó (Marcos 10,46-52), paradigmática e pedagogicamente colocado no termo do CAMINHO.
7. O Cego está sentado (a posição ansiada por João e Tiago e pelos outros dez!) à beira do caminho. Grita porque, sendo cego, é um excluído. Mas aí está o Mestre pró-activo: PÁRA, descendo ao nível do cego, e CHAMA, incluindo o excluído. Sem hesitação, o cego atira logo fora o manto, que constitui a sua subsistência, a sua vida, e, com um salto, de forma decidida e enérgica, fica no lugar certo, junto de Jesus. Jesus faz-lhe a mesma pergunta que fez a João e a Tiago: «Que queres que Eu te faça?» Resposta óbvia do cego: «Que eu veja!» Ordem de Jesus: «VAI!»
8. Poucos se apercebem. Mas «VAI!» não é a resposta adequada ao pedido do cego: «Que eu veja!» A resposta adequada seria: «Vê!», como está, de resto, no episódio paralelo de Lucas 18,42.
9. Mas, de facto, o cego obedeceu à ordem nova de Jesus. Diz-nos o narrador que SEGUIA JESUS NO CAMINHO! Note-se o SEGUIA (imperfeito de duração). Modelo do discípulo de Jesus.
10. Vejam-se atentamente os confrontos: 1) o cego está SENTADO, mas põe-se de pé; de pé vão os discípulos de Jesus, mas querem SENTAR-SE; 2) o cego deixa tudo (atira fora o manto), mas os discípulos querem saber o que ganham; 3) o cego está à beira do CAMINHO, mas entra no CAMINHO para seguir Jesus no CAMINHO; o homem rico de Marcos 10,17-22, que encontrámos no Domingo XXVIII, entra no CAMINHO, mas sai logo do CAMINHO… Tantos desafios e provocações, modelos e contra-modelos, para nós, discípulos que hoje seguimos Jesus no CAMINHO!
11. Não nos esqueçamos ainda que passa hoje (21 de Outubro) o 86.º Dia Missionário Mundial, dia indicado para «Fazer brilhar a Palavra da Verdade» (tema da Mensagem do Papa). Na sua mensagem para este Dia, Bento XVI recorda os 50 anos do início do Concílio Vaticano II (11 de Outubro de 1962), a abertura do Ano da Fé, que se estende de 11 de Outubro do ano corrente até 24 de Novembro de 2013, o Sínodo sobre a Nova Evangelização para a transmissão da Fé Cristã, a decorrer em Roma de 7 a 28 de Outubro, e desafia a Igreja a calcorrear as estradas do mundo com o mesmo ímpeto missionário das primeiras comunidades cristãs, lembrando-nos que «a pregação do Evangelho não é para a Igreja um contributo facultativo, mas um dever que lhe incumbe» (Evangelii Nuntiandi, n.º 5).
12. Neste sentido, o Papa Bento XVI exorta-nos a refazer as pegadas de São Paulo e o itinerário espiritual da mulher da Samaria (João 4) que, pedagogicamente conduzida por Jesus, abandona o cântaro antigo, que só servia para transportar água antiga, e corre à cidade, não para fazer afirmações paralisantes, mas para deixar no ar um convite e uma fina interrogação que põe a cidade a caminho de Jesus: «Vinde ver um homem que me disse tudo o que eu fiz. Não será ele o Cristo?» (João 4,29).
13. O Papa faz-nos olhar depois para a Igreja missionariamente renovada do Concílio, para nela vermos um sinal luminoso de Cristo para todos os continentes. Mas apela logo à Igreja de hoje para que não esmoreça no seu dinamismo missionário, mas o renove, pois está a aumentar o número daqueles que não conhecem Cristo. De facto, em 1965, o Concílio fala em 2.000.000.000 de não cristãos (Ad Gentes, n.º 10). Vinte e cinco anos depois, em 1990, o Papa João Paulo II refere que esse número quase duplicou (Redemptoris Missio, n.º 3), número que a missiografia precisa em 3.449.084.000. Em 2000, esse número subia para 4.069.672.000. Em 2006, o número de não cristãos sobe para 4.373.076.000. Para 2025, prevê-se que esse número atinja os 5.220.896.000.
14. Decididamente, não podemos continuar apenas a fazer que seguimos Jesus no CAMINHO, tendo em conta apenas para os nossos interesses e olhando este mundo com indiferença. Forçoso é que mudemos de atitude, deixando imprimir no nosso coração e no nosso rosto o estilo de vida de Jesus: pobre, depojado, feliz, apaixonado, ousado, próximo e dedicado.
António Couto
As suas palavras, D. António, são um sorriso do Senhor a contrariar a minha fraqueza, os meus cansaços, a tentação do banco para me sentar… Agradeço ao Senhor o dom mobilizador das suas palavras.
Muito obrigada -:)
Maria Helena
Olá D.António Couto.
È preocupante o número de pessoas que não conhece CRISTO.
Que este caminho novo, que se abre a nossos pés, os leve a conhecê-lo, e que as suas palavras que ainda pairam no ar « Por que será
que os Santos se esforçaram tanto e com tanta alegria, por ser
pobres e humildes, e nós nos esforçamos tanto e com tristeza
por ser ricos e importantes» seja um sinal de JESUS.
D. António, sou do Porto e animo 8 Assembleias Familiares numa paróquia do Alentejo para onde fui parar, para lecionar Filosofia. Só agora entendo que o SENHOR me tinha ‘enviado para o Deserto para me abraçar’! Digo-lhe que espero sempre cheia de entusiasmo as reflexões que o Sr.Bispo faz ao Evangelho de cada Domingo e que me ajudam a ajudar os outros. Que o ESPÍRITO SANTO sempre o ilumine! Maria Vieira
O seu comentário Maria Helena fez-me ouvir vozes novas buscando novos caminhos. Agradeço e uno-me esperando com ‘certa impaciência’ as palavras cheias de fogo do Espírito do queridíssimo D, Couto. Maria Vieira