Era uma vez uma estrada, uma carreira, um curso, um percurso,
que só havia uma maneira de fazer: a correr.
Está-se mesmo a ver
só se iria inscrever
quem não gostasse mesmo nada de perder.
…
Corria então nessa estrada
um famoso corredor,
a transbordar de zelo e de ardor,
indómito lutador.
Já se sabia,
saía
sempre vencedor.
…
Até que um dia
à hora do meio-dia,
do sol a pique e de Deus na via,
um novo corredor vindo de fora,
não se sabe de onde,
agarrava
e ultrapassava
nessa estrada
o corredor.
…
A estrada era para os lados de Damasco,
Paulo o corredor,
Jesus o novo vencedor.
…
Começa aqui outra história
de outro amor
com Paulo a correr
por dentro e por fora
até morrer.
…
Fora de si,
dentro de si,
movimento transitivo
no mapa, nos mares, nas estradas, nas cidades,
movimento intransitivo,
ao jeito de Abraão,
rasgando avenidas no próprio coração.
…
Mas não quis mais correr sozinho.
Para mim correr é Cristo,
dizia,
e corria agarrado à sua mão.
Uma mão na mão de Cristo,
a outra apertando a de um irmão e outro irmão e outro irmão,
uma verdadeira multidão
em comunhão.
…
É verdade,
quando Jesus irrompe na vida de alguém,
interrompe a normalidade de um percurso,
e rompe essa vida em duas partes desiguais:
uma que fica para trás,
outra que se abre agora à nossa frente,
recta como uma seta directa a uma meta,
a um alvo, um objectivo intenso e claro,
tão intenso e claro que na vida de cada um
só pode haver um!
…
António Couto