TRINDADE: DEUS DÁ-SE A CONHECER

Maio 30, 2010

 

1. Na Triadologia do Novo Testamento, preparada pelo Antigo Testamento, Deus, enquanto dádiva suprema fundante, é o Pai. Mas a dádiva suprema do Pai, infinita riqueza, constitui o Filho, infinita pobreza, que tudo recebe. Mas, ao receber tudo, infinita recepção, o Filho volta a dar tudo numa infinita doação sem defesa e sem limites. E esta comunhão-comunicação-vida-amor de si a si, circular, vertiginosa, tranquila e imperecível, constitui o Espírito Santo, a Pessoa-Dom incriado (segundo a bela expressão de João Paulo II), o Dom que vem de si mesmo a si mesmo, Dom de si a si, o Dom absolutamente um com ele mesmo, o Dom idêntico ao Ser.

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RENASCIDOS DESTE VENTO, DESTE LUME

Maio 23, 2010

 

O medo não habita a nossa casa
O medo transforma a nossa casa em fortaleza
Tranca portas e janelas
Esconde-se debaixo da mesa.
 
Mas vem Jesus e senta-nos à mesa
Começa a contar histórias e estrelas
Leva-nos até ao colo de Abraão, até à Criação,
Sopra sobre nós um vento novo,
Rasga uma estrada direitinha ao coração:
Chama-se Perdão, Espírito, Nova Criação.
 
Varrido para o canto da casa pelo vento,
Rapidamente todo o medo arde.
Ardem também bolsas, portas e paredes,
E surge um lume novo a arder dentro de nós
Mas esse não nos queima nem o podemos apagar.
 
Estamos lá tantos à roda desse vento, desse fogo,
Com esse vento, com esse fogo dentro,
Portugueses, russos, gregos e chineses,
Começamos a falar e tão bem nos entendemos,
Que custa a crer que tenhamos passaportes diferentes.
 
E afinal não temos.
Vendo melhor, maternais mãos invisíveis nos embalam,
Nos sustentam.
Sentimos que estamos a nascer de novo,
Percebemos que somos irmãos,
Filhos renascidos deste vento, deste lume.
E não é verdade que falamos,
Mas que alguém dentro de nós chama por Deus
Como um menino pelo Pai.
 
António Couto

O MILAGRE DE UM OLHAR CHEIO DE JESUS

Maio 15, 2010

 

1. Lucas 24,46-53: estupendo texto que encerra o Evangelho de Lucas e que hoje, Solenidade da Ascensão do Senhor, é solenemente proclamado para nós.

 2. É a terceira vez que, neste Capítulo 24 do Evangelho de Lucas, o Evangelista volta à temática da necessidade do sofrimento de Jesus em ordem à Sua Ressurreição dos mortos (Lucas 24,7.26.46-47). Todavia, nesta terceira vez, é acrescentado um dado novo de extrema importância, sendo que os acontecimentos incluídos na necessidade divina são agora três e não dois: a Paixão, a Ressurreição e a Pregação (kêrygma) a todas as nações. Portanto, também a MISSÃO surge incluída na necessidade divina. Não está à margem dos acontecimentos de Jesus, mas completamente vinculada a eles e a Ele. É, por isso, «no Seu Nome», isto é, assente na Sua autoridade, e não em qualquer outra, que esta Pregação deve ser feita, e o seu conteúdo é a Conversão e o Perdão. Conversão teológica, isto é, que o Crucificado é Revelação gloriosa de Deus, e não ignomínia e derrota! Perdão: significa que o Amor de Deus é maior que o nosso pecado! Este Anúncio é para ser feito a «todas as nações», a todos os corações: âmbito mais amplo e intenso possível!

 3. Mas esta MISSÃO é para levar por diante com a humildade e persistência do testemunho quotidiano e com a roupa nova (endýô) e a dinâmica (dýnamis) do Espírito (Lucas 24,49). Nas novas coordenadas do Espírito, os Acontecimentos de Jesus, de per si circunscritos no espaço e no tempo, alargam-se a todos os tempos e lugares, e insinuam-se no subtilíssimo segredo de cada coração humano.

 4. Imensa fraternidade em ascendente movimento filial, como uma seara nova e verdejante a ondular ao vento suavíssimo do Espírito, elevando-se da nossa terra do Alto visitada e semeada, ternamente por Deus olhada, agraciada, abençoada. Bênção desde o início do Evangelho de Lucas até agora diferida, dada a mudez do sacerdote Zacarias (Lucas 1,22). Jesus, novo, terno e eterno sacerdote elevando-se para o céu, mas ficando mais presente do que nunca em cada coração, abençoa agora os seus discípulos (Lucas 24,50-519. Nova e mais intensa forma de presença. Não é um passo atrás, mas em frente. Por isso, uma nova e «grande Alegria» (só aqui e em 2,10) nos impele, deixando-nos no tempo novo e jovem da MISSÃO!

 5. O Livro dos Actos retoma esta lição. Dois homens vestidos de branco (cor celeste), que já antes tinham reorientado o olhar perdido e triste das mulheres (Lucas 24,4-7), reorientam agora também o nosso olhar preso ao céu, dizendo: «Homens Galileus, por que estais de pé, perscrutando (emblépontes) o céu? Este JESUS que foi arrebatado (analêmphtheís) diante de vós para o céu, assim VIRÁ (eleúsetai) do modo (trópos) que O vistes (etheásthe) IR para o céu”» (Act 1,9-11).

6. Importante agrafo da Ascensão com a Vinda do Senhor. Tanto Ver. Não é mais possível Ver a Ascensão sem Ver a Vinda. Guardemos este Olhar cheio de Jesus e olhemos agora para esta terra árida e cinzenta, para tantos corações tristes e perdidos. Nascerá um mundo muito mais belo, novos corações pulsarão nas pessoas. Corações iluminados (Efésios 1,18). Um Olhar cheio de Jesus faz Ver Jesus, faz Vir Jesus! Verificação: leia-se com atenção o primeiro acto dos Actos dos Apóstolos: o Olhar cheio de Jesus de Pedro e de João faz saltar de alegria o coxo de nascença (Actos 3,1-10).

 António Couto


O ESPÍRITO SANTO E NÓS

Maio 8, 2010

 

1. Amor correspondido, Palavra guardada, Habitação habitada. Circunlocução: círculo ardente de Amor entre o Pai e o Filho e o Espírito Santo: Trindade Pessoal, mas Consubstancial: Vida, Amor, Comunhão, Comunicação, Circunlocução. O Amor fontal do Pai enviou o Filho Jesus em missão, pura transparência do Amor do Pai entre nós. A identidade da Pessoa do Pai constitui-se em dar tudo ao Filho Jesus, assim como a identidade da Pessoa do Filho Jesus se constitui em receber tudo do Pai.

 2. O Espírito, também enviado em missão, é Aquele que recebe o que é do Filho (João 16,14.15), e que o Filho recebeu do Pai. A única diferença é que o Filho Jesus já foi enviado [«o Pai que me enviou»: João 5,23.37; 6,44; 8,16.18; 12,49; 14,24; «Aquele que me enviou»: João 4,34; 5,24.30; 6,38.30.40; 7,16.28.33; 8,26.29; 9,4; 12,44-45; 13,20; 15,21; 16,5], enquanto que o envio do Espírito é anunciado, mas deve ainda realizar-se (João 14,16.26; 15,26; 16,13-15). Também as funções de ensinar e de recordar, a cargo do Espírito, aparecem enunciadas no futuro. O ensinamento do Espírito é o mesmo que Jesus fez e que recebeu do Pai, mas vem depois do de Jesus (João 14,26), e processa-se, ao contrário do de Jesus, não com palavras sensíveis que tocam os órgãos da audição de um público determinado, mas na interioridade da inteligência e do coração de cada ser humano. Este ensinamento interior do Espírito é comparado à unção de óleo (chrísma) que penetra lentamente, como diz o Apóstolo: «Vós recebestes a unção (chrísma) que vem do Santo e todos conheceis (oídate)» (1 João 2,20); ou então: «a unção (chrísma) dele vos ensina (didáskei) acerca de todas as coisas» (1 João 2,27).

3. Ensinamento novo. Não exterior, com sons e palavras, mas directamente nas pregas da inteligência e do coração. É assim que a linguagem nova do Espírito afecta ao mesmo tempo o português e o chinês, o inglês e o russo, o católico, o muçulmano e o hebreu. É como quando, em vez de se porem a falar cada um a sua língua para o outro incompreensível, o português e o chinês entregam um ao outro uma flor! É assim que fala o Espírito, é assim que age o Espírito.

4. Nós somos do tempo da missão do Espírito. Note-se a fortíssima vinculação: «O Espírito Santo e nós» (Actos 15,28).

 5. Deus habitando em nós (João 14,24). Deus connosco (Apocalipse 21). Cidade nova, Consolação nova, Bênção nova, Paz nova, não com a medida do mundo, mas de Deus (João 14,27; Salmo 67(66)).

 António Couto


A COISA MAIS DIVINA QUE HÁ NO MUNDO

Maio 1, 2010

 

1. No tempo de Jesus, o panorama do judaísmo palestinense era dominado por duas escolsas: a escola conservadora e rigorista de Shamai e a escola liberal de Hillel.

 2. Conta-se que, um dia, um homem se terá apresentado na escola de Shamai, e fez ao mestre um estranho pedido: «quero que, enquanto eu me mantiver apenas com um pé no chão, tu me expliques toda a Lei». Diz-se que Shamai se limitou a pegar na sua vara de mestre e a correr o homem pela porta fora, pois era óbvio que o homem fazia um pedido impossível de cumprir, tal era a vastidão da Lei. Mas o homem não desanimou e dirigiu-se à escola de Hillel, a quem formulou o mesmo pedido. E Hillel terá respondido de pronto: «Nada mais fácil: “Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti!”».

 3. A esta sentença de Hillel, na sua formulação negativa, deu-se o nome de «regra de ouro». Em boa verdade, ela já aparece no Livro de Tobias 4,15. É, todavia, fácil de verificar, que esta sentença é de fácil cumprimento. Dado que o seu teor é negativo, para a cumprir, basta a alguém cruzar os braços e nada fazer. Procedendo assim, nada fará de inconveniente a ninguém, cumprindo assim escrupulosamente a sentença.

 4. Tentando talvez evitar a inacção acoitada na formulação negativa anterior, os Evangelhos apresentam desta máxima uma formulação positiva: «Faz aos outros o que queres que te façam ti!» (Mateus 7,12; Lucas 6,31). Levando a sério esta formulação, já não é suficiente jogar à defesa e nada fazer, mas é requerido o fazer. Seja como for, as duas formulações apresentadas, quer a negativa quer a positiva, padecem do mesmo vício: sou eu o centro, é à minha volta que tudo roda, e o que eu faço ou deixo de fazer é com o objectivo claro de que me seja retribuído outro tanto!

 5. O tom positivo da referida «regra de ouro» recebe ainda outra bem conhecida formulação: «Ama o teu próximo como a ti mesmo!», que atravessa a inteira Escritura: Levítico 19,18; Mateus 22,39; Romanos 13,9; Gálatas 5,14; Tiago 2,8. Mas também esta formulação é perigosa: primeiro, porque eu continuo o ser o centro, a medida do amor aos outros; segundo, porque, se alguém não se ama a si mesmo (e são, infelizmente, cada vez mais os casos!), como poderá cumprir devidamente esta máxima?

 6. É aqui que cai, como uma lâmina, a força do Evangelho de Jesus, proclamado, por graça, neste Domingo V da Páscoa: «Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei!» (João 13,34). Aqui, a medida não sou eu. Aqui, a medida é Jesus. Aqui, a medida é sem medida! Aqui, o amor não é interesseiro. Aqui, o amor é puro, radical, incondicional, assimétrico, sem retorno. Aqui, o amor é até ao fim!

 7. Passa também neste Domingo o Dia da Mãe. Sobre esta terra dorida, anestesiada e indiferente, uma Mãe verdadeira ainda é o ícone mais belo deste amor imenso e sem pauta nem medida, que não é meu, nem é teu, nem é nosso. É de Deus. Nós sabemos isso. Mas uma Mãe sabe isso melhor. É por isso que é fácil, neste Dia da Mãe, cair pelo rosto de cada Mãe uma lágrima de tristeza ou de alegria! Melhor assim, Mulher e Mãe: sentirás a mão carinhosa de Deus a afagar o teu rosto e a enxugar essa lágrima, de acordo com a lição da Leitura de hoje do Livro do Apocalipse 21,4!

 António Couto