SOLENIDADE DA EPIFANIA DO SENHOR

 

1. «Eu o vejo, mas não agora,/ eu o contemplo, mas não de perto:/ uma estrela desponta (anateleî) de Jacob,/ um ceptro se levanta de Israel» (Números 24,17). Assim fala, com uns olhos muito claros postos no futuro, um profeta de nome Balaão, que o Livro dos Números diz ser oriundo das margens do rio Eufrates (Números 22,5), uma vasta região conhecida pelo nome de «montes do Oriente» (Números 23,7).

 2. Do Oriente são também os Magos, que enchem o Evangelho deste Dia (Mateus 2,1-12), e que representam a humanidade de coração puro e de olhar puro que, agora e de perto, sabe ler os sinais de Deus, sejam eles a estrela que desponta (anateleî) (2,2 e 9) ou o sonho (2,12), uma e outro indicadores de caminhos novos, insuspeitados. Surpresa das surpresas: até para casa precisamos de aprender o caminho, pois é, na verdade, um caminho novo! (2,12). Excelente, inteligente, o grande texto bíblico: Balaão vem do Oriente, e os Magos também. O texto grego diz bem, no plural, «dos Orientes» (ap’anatolôn). Só a estrela que desponta (anatolê / anatoleî), no singular, pode orientar a nossa humanidade perdida no meio da confusão do plural.

 3. De resto, já sabemos que, na Escritura Santa, a Luz nova que no céu desponta (Lucas 1,78; 2,2 e 9; cf. Números 24,17; Isaías 60,1-2; Malaquias 3,20) e o Rebento tenro que entre nós germina (Jeremias 23,5; 33,15; Zacarias 3,8; 6,12) apontam e são figura do Messias e dizem-se com o mesmo nome grego anatolê (tsemah TM) ou forma verbal anatéllô. Esta estrela (anatolê) que arde nos olhos e no coração dos Magos está, portanto, longe de ser uma história infantil. Orienta os passos dos Magos e, neles, os de toda humanidade para a verdadeira ESTRELA que desponta e para o REBENTO que germina, que é o MENINO. E os Magos e, com eles, a inteira humanidade orientam para aquele MENINO toda a sua vida, que é o que significa o verbo «ADORAR» (proskynéô). Esta «adoração» pessoal é o verdadeiro presente a oferecer ao MENINO.

 4. Note-se bem, neste contexto, o contraponto bem vincado de Herodes, e de todos os Herodes deste nosso tempo e de todos os tempos.

5. Mas, para juntar aqui outra vez os fios de ouro da Escritura Santa, nomeadamente 1 Reis 10,1-10 (Rainha de Sabá), Isaías 60 e o Salmo 72(71), diz o belo texto de Mateus que os Magos ofereceram ao MENINO ouro, incenso e mirra. Já sabemos que, desde Ireneu de Lion (130-203), mas entenda-se bem que isto é secundário, o ouro simboliza a realeza, o incenso a divindade, e a mirra a morte e o sepultamento.

6. Pode acrescentar-se ainda, mas também isto é claramente secundário, que muitos astrónomos e historiadores se têm esforçado por identificar aquela estrela que despontou e guiou os Magos, apresentando como hipóteses mais viáveis: a) o cometa Halley, que se fez ver em 12-11 a. C.; b) a tríplice conjunção de Júpiter e Saturno na constelação de Peixes, ocorrida em 7 a. C.; c) uma nova ou supernova, visível em 5-4 a. C. Esta última está registada nos observatórios astronómicos chineses. A conjunção de Júpiter e Saturno na constelação de Peixes está registada nos observatórios da Babilónia e do Egipto. Johannes Kepler (1571-1630), que estudou este assunto em pormenor, dedica particular atenção aos fenómenos registrados em b) e c).

7. Ilustra bem o grandioso texto do Evangelho de Mateus o soberbo texto de Isaías 60,1-6, que canta Jerusalém personificada como mãe extremosa que vê chegar dos quatro pontos cardeais os seus filhos e filhas perdidos nos exílios de todos os tempos e lugares. Também não falta a luz que desponta (anateleî) (60,1) e os muitos presentes, os tais fios que se vão juntar no Evangelho de hoje, de Mateus.

8. Também os versos sublimes do Salmo Real 72(71) cantam a mesma melodia de alegria que se insinua nas pregas do coração da inteira humanidade maravilhada com a presença de Rei tão carinhoso. Também aqui encontramos a hiperbólica «idade do ouro», o grão que cresce mesmo no cimo das colinas, e a felicidade dos pobres, que serão sempre os melhores «clientes» de Deus. Extraordinária condensação da esperança da nossa humanidade à deriva.

9. E o Apóstolo Paulo (Efésios 3,2-3 e 5-6) faz saber, para espanto, maravilha e alegria nossa, que os pagãos são co-herdeiros e comparticipantes da Promessa de Deus em Jesus Cristo, por meio do Evangelho.

10. Sim. Falta dizer que, no meio de tanta Luz, Presentes e Alegria para todos, vindos da Epifania, que significa manifestação de Deus entre nós e para nós, não podemos hoje esquecer as crianças e a missão. Hoje celebra-se o dia da «Infância Missionária», que gosto de ver sempre envolta no belo lema: «O Evangelho viaja sem passaporte». Para significar que o Evangelho nos faz verdadeiramente filhos e irmãos. E entre filhos e irmãos não há fronteiras nem barreiras nem muros ou qualquer separação.

11. Sonho um mundo assim. E parece-me que só as crianças nos podem ensinar esta lição maravilhosa.

António Couto

5 Responses to SOLENIDADE DA EPIFANIA DO SENHOR

  1. Nuno diz:

    Gostei do texto! Rico e denso, cheio de conteúdo!

    Ainda tenho presente o curso bíblico no Cab: uma porta que se abriu para este imenso tesouro que é a Palavra de Deus (aqui uma vez mais apresentada com tanta sabedoria).

  2. Paula Fernandes diz:

    É um sonho muito belo e grande, no conteúdo e na abrangência, um projecto de amor para o mundo.

    Então, porque o que mais há neste mundo são fronteiras, barreiras, muros, separações, guerras, fome, indiferença, desprezo, abuso … …

    Então, para que o sonho não seja utópico, peço a Deus, nosso Senhor, a Maria, sua Mãe e ao Espírito Santo, inspirador, que em 2011 sejamos muitos, a contribuir para a abolição das fronteiras, para a instauração da paz, para a erradicação da pobreza, para a exterminação dos malfeitores, abusadores, opressores … …

    Pequenos contributos, juntos, voam longe e continentes são só cinco (ou seis, segundo as definições modernas).

    A mensagem é de Esperança, de Fé e de Amor verdadeiro.

    Um Ano de 2011 Bom.

    D. António, peço-lhe que não desista de nos alimentar na Fé, de nos ensinar na Palavra, de nos incentivar na Esperança e na Caridade e de nos aprofundar, no Amor de Jesus Cristo.

    Bem haja sempre.

  3. Abílio Barros diz:

    D. António,

    Mais uma vez lhe agradeço as palavras que escreve e connosco partilha sobre as Solenidades de Santa Maria, Mãe de Deus, e da Epifania do Senhor. Mais uma vez, abrem-se novas portas, novas perspectivas, novos horizontes na compreensão das Sagradas Escrituras.

    Obrigado. E que este ano de 2011 seja um Ano Bom também para si.

  4. CP diz:

    Pois é, D. António, também sou apologista do «ser Grande assim Pequeno». Da tal Infância Espiritual, de Sta. Teresinha, que me fazia alguma espécie. Ao querer iluminar um pouco mais esta ideia, de uma brevíssima pesquisa, encontrei um texto, que partilho consigo/convosco:

    «na ordem natural, quanto mais o filho cresce, mais ele tem de se tornar auto-suficiente, pois um dia o seu pai e a sua mãe lhe faltarão. Pelo contrário, na ordem da graça, quanto mais o filho de Deus cresce, mais ele compreende que não poderá jamais bastar-se a si próprio e que dependerá sempre intimamente de Deus.(…) o filho de Deus, ao crescer, se é fiel, torna-se mais e mais dependente do seu Pai, até que nada faça sem ele, sem as suas inspirações ou os seus conselhos. Então, toda a sua vida é banhada pela oração; é a melhor parte que não lhe será tirada» (In http://vida-espiritual-catolica.blogspot.com/2010/08/via-da-infancia-espiritual-docilidade.html).

    Bem-Haja por, directa e indirectamente, me tornar mais sabedor de Cristo e me ir iluminando caminhos na Vida.

  5. Dulce diz:

    “«O Evangelho viaja sem passaporte». Para significar que o Evangelho nos faz verdadeiramente filhos e irmãos. E entre filhos e irmãos não há fronteiras nem barreiras nem muros ou qualquer separação”

    D. António,
    Olá num Bom dia que lhe desejo.

    De novo aqui e de novo com as Suas palavras absolutamente contagiantes e que nos trazem sempre uma sabedoria tão importante à nossa vivência de Fé.

    Também eu sonho um Mundo assim.
    Porventura seremos já muitos a sonhá-lo.
    Porventura seremos num tempo próximo ainda muitos mais. Acredito que Sim…!

    E numa reflexão tão oportuna de um texto muito bonito que o nosso Prior e Amigo Padre Nuno Westwood nos deu à nossa melhor reflexão em “ Zimbórios”, em mais uma oportunidade para nos repensarmos, intitulado “Dái-me a graça, Senhor, de mudar a mim mesmo!”, podemos asseverar que na verdade tudo começa em cada um de nós. Aceitando o Outro como ele é. Amando-o e respeitando-o nas diferenças. Só este Amor certo, incondicional e de inequívoca fraternidade nos permitirá um Mundo mais justo e mais feliz.

    E este Caminho é na verdade um caminho que começa por ser individual, e em que cada um de nós deverá empenhar-se.

    Não será fácil mas cada etapa superada será festejada com visível alegria que irradiaremos, a qual estou certa contagiará e nos dará um maior alento e a outros Irmãos.

    Como tão bem diz o poeta, “E sempre que o homem sonha o mundo pula e avança como uma bola colorida entre as mãos de uma criança”.

    E que essa bola seja também, às nossas mãos, uma bola colorida de esperança.

    D. António, desejo-Lhe um Ano de 2011 com muita Saúde e muita Paz.

    Um abraço amigo.
    Dulce