UM AMOR NOVO QUE VEM PÔR FIM AO MEU MUNDO

Novembro 16, 2012

 

1. O Livro de Daniel terá sido provavelmente escrito no Outono do ano 164 a.C., com o objectivo de encorajar os judeus piedosos a permanecerem firmes na sua fé em plena perseguição anti-judaica desencadeada três anos antes, em 167 a.C., pelo tirano Antíoco IV Epifânio, e cujos ecos se podem ver, por exemplo, no Segundo Livro dos Macabeus 6 e 7, que registra a fidelidade heróica do velho Eleazar e dos sete jovens irmãos Macabeus. Estes são, no dizer do Livro de Daniel 12,1-3, os mestres sábios (maskkilîm) e justificadores (matsddîqîm), isto é, dadores de vida: ensinam, não teorias, mas a vida verdadeira, dando a sua vida por amor: é assim que vencem os violentos, não opondo-se a eles, mas amando, isto é, dando a vida e dando vida, ensinando a viver. Estes novos sábios e justificadores são, diz o Livro de Daniel, as novas estrelas que brilham para sempre!

 2. Não são, portanto, as estrelas da moda, da música, do cinema ou do futebol, estrelas cadentes, de brilho efémero e passageiro! São as novas e verdadeiras estrelas de brilho permanente, inscritas no Céu ou no Livro da Vida (ver Daniel 12,1; Salmo 139,16; Isaías 4,3; Lucas 10,20; Apocalipse 20,12). As outras pobres estrelas estão, na verdade, inscritas no chão, no pó da terra (Jeremias 17,13), e lá se perdem e disperdem. Deus sabe escrever no coração (Jeremias 17,1; 31,33), na Cruz (Gálatas 3,1), e, como já vimos, no chão, e no Livro, mas também, num gesto de particular ternura, na palma da sua mão (Isaías 49,16).

 3. O cenário do Evangelho deste Domingo XXXIII do Tempo Comum (Marcos 13,24-32) não é de terror, mas de amor! Novos céus e nova terra, saídos das mãos de Deus-Pai, com o Filho-que-Vem, e que está próximo, à porta. É como o noivo do Cântico dos Cânticos 5,2, que bate à porta, descrito pela noiva que dorme, mas escuta com um coração sempre vigilante! Única atitude da Igreja Una e Santa, que Domingo após Domingo, se reúne com emoção e alegria à volta do seu Senhor-que-Vem. Tudo tão suave e tão cheio de maravilha: o nosso Deus revelando ou simplesmente com todo o carinho desvelando, isto é, retirando o véu que encobre a verdadeira realidade, perante os nossos olhos atónitos!

 4. Uma parte da Igreja antiga lia este «discurso escatológico» e outros textos similares do Novo Testamento no sentido da chegada iminente do «fim do mundo» (leitura ainda hoje desgraçadamente doentia nas seitas, com ano, dia e hora marcados!). Sim, é do «fim do mundo» que se trata, mas num sentido novo e inaudito: é a Palavra de Deus que não passa, e que é Amor e é Primeira e Última, sempre nova, portanto, que vem «pôr fim ao nosso mundo» de posse e egoísmo, auto-satisfação e auto-expansão ilimitada. É o Último, que é o Amor gratuito e desinteressado, que põe fim ao penúltimo, que é a nossa vã maneira de viver. Neste sentido novo, é de desejar que o nosso mundo velho e caduco entre em agonia e acabe já, para que comece verdadeiramente em nós e já um mundo novo e belo, cuja matriz é o Amor gratuito e incondicional. Neste sentido intenso e belo, vale a oração «Senhor, vem!» (marana tha’), porque, com sabedoria serena, sabemos que «o Senhor vem!» (maran ’atta’).

 5. O discurso de Jesus no inteiro Capítulo 13 de Marcos não é atravessado por nenhuma angústia nem sugere qualquer corrida desenfreada e frenética. Pelo contrário, por quatro vezes, Jesus interpela os seus discípulos a um comportamento atento: «vede bem», «estai atentos», «prestai atenção», grego blépete (Marcos 13,5.9.23.33), e igualmente por quatro vezes se faz ouvir a vigilância: «estai acordados», «vigiai», grego agrypnéô e grêgoréô (Marcos 13,33.34.35.37). Depois da admirável introdução deste Capítulo (Marcos 13,1-4), com um discípulo a comunicar a Jesus o seu espanto perante as belas pedras das construções herodianas do Templo (Marcos 13,1), Jesus volta-o para outro lado, dizendo: «Vês estas grandes construções? Não ficará pedra sobre pedra que não seja destruída» (Marcos 13,2). E, sentando-se (como quem ensina) no Monte das Oliveiras, voltado para o majestoso Templo, e interrogado por Pedro, Tiago, João e André sobre o «quando» e «qual o sinal» (Marcos 13,3-4), Jesus profere então o inteiro ensinamento deste grande Capítulo 13, que aparece organizado em três Partes: 1) em Marcos 13,5-23, Jesus fala de um tempo de tribulação, em que pulularão enganadores (Marcos 13,5-6), guerras (Marcos 7-8), perseguições (Marcos 13,9-13), e outra vez guerras (Marcos 13,14-20), enganadores (Marcos 13,21-23, e uma chamada de atenção (Marcos 13,23); 2) em Marcos 13,24-27, parte central, Jesus anuncia a vinda do Filho do Homem para reunir os seus eleitos; 3) em Marcos 13,28-37, intercalam-se informações e advertências.

 6. Note-se, colocada no centro da estrutura, que é sempre a Parte mais importante, a vinda do Filho do Homem. Não é informação nem enumeração. É anúncio, que põe fim ao penúltimo, à luz do sol, da lua e das estrelas (Génesis 1,14-19), obra do quarto dia da criação, e faz retornar tudo à luz primeira de Deus (Génesis 1,3), obra do primeiro dia da criação. Note-se ainda a importante instrução sapiencial da parábola da figueira (Marcos 13,28-29), imediatamente colocada após o anúncio da vinda do Filho do Homem: a atenção dos discípulos não deve centrar-se tanto naquilo que se vê (o verde das folhas na primavera), mas naquilo que não se vê (o verão e o Filho do Homem). Não se vêem ainda, mas estão próximos. Note-se este «próximo» (eggýs) do Filho do Homem (Marcos 13,28.29) a fazer inclusão com o anúncio do Reino de Deus, igualmente próximo (eggýs) em Marcos 1,15.

 7. O mundo-que-vem é a luz pura de Deus, obra nova e boa de Deus, e não é construído sobre as cinzas do nosso velho mundo.

António Couto