Neste Natal vai até Belém
Vence o mal com o bem
Na tua história
Entrará o Rei da glória
Não deixes ir embora
O único rei que não reina desde fora.
1. No Livro de Isaías 42,1-4, perícope conhecida como «Primeiro Canto do Servo», Deus apresenta o seu Servo com um conjunto de notas de singular brandura, de que realço, em 42,2: «Não fará ouvir desde fora a sua voz». Comentando este passo em Difficile liberté. Essais sur le judaïsme, Emmanuel Levinas, com a sua habitual finura, diz do Messias que «é o único rei que não reina desde fora». Entenda-se: não empunha a espada, não impõe a força, não lança impostos, não age por decreto. Traz consigo um domínio novo, que se insinua mansamente e sana a nossa velha e estafada humanidade desde o coração.
2. É nesse novo coração iluminado que se acende a música dos anjos nos campos de Belém. Atónitos, os pastores decantam essa luz e trauteiam essa música. É assim, em bicos de pés e cântaros de luz, pássaros de dança e música estelar, que vão até Belém. Encontram o amor que os embalava. Levam-no de volta para os campos. Os pesados guardas, se bem que interpelados, nada entendem (cf. Cântico dos Cânticos 3,3-4; 5,7). Ídolos metalizados. Insensíveis. Nenhuma música inebria as estátuas de alegria.
3. O Natal é intransitivo. O mapa desenrola-se por dentro. Alta tensão, toda a atenção no coração. Só o Amor pode dissolver este nevão. Só o Bem pode vencer o mal (cf. Romanos 12,21). O Bem não combate. Se combatesse, já não seria Bem. Seria mal. Mais mal, portanto, adviria. Só o Bem pode vencer, sem combater, este combate. Só o Amor. O Amor ama também o mal. É aí que o vence.
4. Entremos por aí. Escreveu recentemente (2004) o Cardeal Karl Lehmann, Arcebispo de Mogúncia (Mainz), em Carta Pastoral à sua Diocese, por ocasião dos 1250 anos da morte de S. Bonifácio, Apóstolo da Alemanha: «Tornámo-nos um mundo velho. Deixámo-nos vencer pelo cansaço […]. É necessário um radical revigoramento missionário da nossa Igreja. Não se trata apenas de reformar as estruturas. É preciso começar por cada um de nós. Se não estivermos entusiasmados pela profundidade e pela beleza da nossa fé, não podemos verdadeiramente transmiti-la nem aos vizinhos nem aos filhos nem às gerações futuras. […] É necessário também ganhar outras pessoas para a nossa fé cristã e arrastar os cristãos que cederam ao cansaço ou que até abandonaram a Igreja […]. Devemos difundir verdadeiramente o Evangelho de casa em casa, de coração a coração».
5. Nesta Carta Pastoral, o Cardeal Lehmann traça um quadro realista de uma Igreja que parece envelhecida e cansada, mas aponta também, com mestria e clarividência, as coordenadas que devem moldar o rumo do futuro: não basta reformar por fora estruturas e edifícios; é preciso reformar por dentro, mudar o coração, acendê-lo com a luz nova de Cristo e do seu Evangelho.
6. Por isso também, meu irmão de Dezembro, vai até Belém. Estamos mesmo à beirinha do Natal. Tempo de abrir o coração para celebrar o nascimento do único Rei que não reina desde fora.
António Couto